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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos

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*Um Natal Diferente*

Aos meus diletos Confrades e Confreiras deste nosso Sodalício Recantista, quero desejar-lhes um Felicíssimo Natal e um Ano Novo bastante promissor com realizações de todos os sonhos. Que o Nosso Bom Deus Pai possa prover a todos – Hoje, Amanhã e sempre – com muita Saúde, Paz, Amor e Felicidades Plenas!

Que nesse Ano Novo peço-lhes: – Amem muito!... Amem! Amem! Amem! AMÉM!...

P.S. Os votos chegaram atrasados por “culpa do Rubinho Barrichello”! (Risos) Ele, sempre, chega atrasado. Mas tudo isso que a todos desejo nesta efeméride, desejo sempre – para todos – em todos os dias da minha vida, independente das datas comemorativas.

~~*~~                                                                      

Introito:

As ruas estavam entupidas de gente. A multidão se acotovelava, esbarrava e se esbravejava contra a falta de educação de alguns transeuntes a carregarem imensos pacotes de presentes.

Alheio a tudo e a todos – a tudo olhava! Havia sorrisos em alguns rostos. Noutros, tristeza nas faces e olhares. Tênues e raras esperanças em uns. Todavia, as desilusões eram a tônica em outros tantos que por mim passavam. Inclui-me no rol dos desesperançados – os desiludidos! O sonhado décimo-terceiro não dava notícia alguma: tristezas, sim! O meu bolso era um necrotério. A minha carteira era um ataúde onde jaziam os parcos trocados que restaram do último pagamento. Torcia para que o sonhado décimo-terceiro desse a cara, a fim de que a minha cara pudesse sorrir e se alegrar. Contudo, somente as velas acesas ardiam no necrotério, iluminando as míseras cédulas que ascendiam às alturas ao se despedirem de mim.

 

Uma chuva fina – garoa, para os paulistanos – insistia em molhar-me o rosto. Volvo o olhar e vejo uma triste menina – sete ou oito anos, se tantos! E ela era paupérrima, mas rica na beleza contida em sua tez cor de ébano a contrastar com os olhos de cor azul-turquesa. Nos maltratados cabelos crespos a fina chuva não encontrara abrigo. E viam-se nela as gotículas a brilharem como se pérolas fossem a querer penetrar naquele invólucro de despenteados cabelos. Pérolas, não eram. Era uma tragicômica comédia de um teatro bufão, no qual todos nós (Eu, Tu, Ele, Vós e Eles) fazíamos – e continuamos a fazer – parte, sem, contudo, nos preocuparmos com as desgraças que assolam o mundo, a humanidade.

Nos maltratados cabelos crespos a fina chuva não encontrara abrigo. E viam-se nela as gotículas a brilharem como se pérolas fossem a querer penetrar naquele invólucro de despenteados cabelos. Pérolas, não eram.

Todavia, os olhos da menina – com a sua encantadora cor azul-turquesa – brilhavam. Mas o brilho não era de alegria, era desejo. Desejo de ganhar do fictício Papai Noel aquela linda boneca exposta na banca do insensível camelô que a ela negara o direito de tocar na bonequinha – fruto dos seus sonhos e desejos – ou mesmo de com ela brincar.

 

O papai biológico provavelmente nem sabia da existência da paupérrima filha. O fictício Papai Noel, a ela não conhecia e nunca, ao que parece, poderia conhecê-la. Ela era uma pequena órfã de dois desconhecidos pais: o ficto e o biológico! 

 

Os meus pensamentos vagueiam. A beleza da menina era um perigo para ela. O mundo está muito violento. Os aproveitadores de crianças – em situações como a da linda menina da boneca – estão pululando, voejando pelas ruas e avenidas. São sádicos predadores sempre em busca de uma presa para saciarem a bestialidade crônica. Ela – inocente menina com sua inconteste beleza – será uma presa fácil para os facínoras.

 

Balouço a cabeça. Tento expulsar os maus agouros, os atros pensamentos. Não consigo! O mundo em que vivemos tornou-se um mundo cão. Tomara que os predadores de plantão não enxerguem aquela inocente beleza urbana que, pela selva de pedra, perambula perigosamente na luta pela sobrevivência!

 

Parte I:

A alterada voz do camelô tem o poder de tirar-me dos devaneios. E é dele que ouço uma série de imprecações contra a menina:

- Não, não!... Não toque nessa boneca! “Cai fora daqui, cai”! – dissera colérico o parvo e insensível mercador ambulante!

 

Ela, porém resoluta, não se moveu e não se deu por vencida. Mantendo as duas mãozinhas na parte posterior da cabeça, parecia querer segurá-la em uma posição de descanso ou, quiçá, impedir que o seu sonho por ali se estiolasse. E assim ficou como quem estivesse espreguiçando. E ela riu um riso de deboche em resposta ao furibundo vendedor, sem se importar com as suas bravatas.

 

Sem pegar na boneca, dela se aproximou e com ela brincou – ou imaginou-se brincando! O certo é que um sorriso meigo se fez presente no sujíssimo rostinho, mostrando uma dentição descuidada, em resposta ao sorriso constante que havia na rosada cara da bonequinha que imagino, queria também, com a sujinha menina brincar.

 

Os seus olhos de azul-turquesa momentaneamente se desviaram e foram de encontro aos meus. E esse encontro dos nossos olhares teve a força e o impacto do choque de dois bólidos desenfreados. Teve a magnitude do ribombar dos trovões de um Terceiro Ato de Rigoletto, ou quiçá, o troar dos Canhões de Navarone!

 

Ela me lança um meigo sorriso. Retribuo com um também, afável, amigo e confiável sorriso na tentativa de amenizar o insano comportamento do camelô. Afago os seus cabelos. A minha mão se molha nas pérolas em forma de gotículas da garoa que caía. Com passos lentos, desesperançados, ela se afasta para abrigar-se sob a marquise de onde, há pouco, acabara de sair. Meus olhos a acompanham. Os dela permanecem na boneca. Meu coração se compadece de tão pequenina menina a carregar tanto peso de tamanha desgraça.

                                                              Os seus olhos de azul-turquesa momentaneamente se desviaram e foram de encontro aos meus. E esse encontro dos nossos olhares teve a força, o impacto do choque de dois bólidos desenfreados. Teve a magnitude do ribombar dos trovões de um Terceiro Ato de Rigoletto, ou quiçá, o troar dos Canhões de Navarone!

Parte II:

 

Não era preciso enfiar a mão no bolso. Sabia de antemão, o quanto na carteira havia. Eram as últimas cédulas e moedas que restaram do salário de novembro. Do esperado e sonhado décimo-terceiro, repito, dele não tínhamos nem notícias. As esperanças em recebê-lo ainda estavam latentes, porém incrédulo, diante da realidade. E como a esperança é a última que morre – aguardávamos!

 

Resoluto, aproximei-me do camelô.

- Qual é o preço desta boneca? – indaguei!

-“Cem reau, Doutô – só cem reauzim”! – dissera-me entre risos interesseiros!

Por não ser um “doutô” – e nem Doutor ser – ri! Mas – e sabendo que é desta massa que se faz um – Doutor, ainda serei! Contudo, entabulei a conversa com o objetivo de obter um bom desconto. Depois de algumas “jurídicas choradeiras” – com vênias, réplicas, tréplicas, apelações e várias pechinchas –, consegui comprar a boneca com um bom desconto: paguei R$85,00(Oitenta e cinco reais) – R$85,00(Oitenta cinco “reau”) segundo o vendedor urbano!

– Embrulhe-a para presente – ordenei!

 

Enquanto o trêfego camelô preparava a embalagem, os meus castanhos olhos procuravam os azuis-turquesa da menina. Encontro-os! Neles a tristeza era, agora, maior. Pela sua inocente cabecinha, por certo passavam os mais tenebrosos e tristes pensamentos. Imaginei-a com suas lamentações: -“Ai meu Deus! A minha bonequinha está indo embora”!

 

Notei que as águas da chuva – agora bem mais intensa – se misturavam às abundantes lágrimas que dos ocelos da menina despencavam.

– Pronto “Doutô”, aqui está o seu embrulho! – dissera-me o camelô, retirando-me das minhas tensas elucubrações que se avolumavam nos meus tristes pensares. Ele de mim se aproxima e me faz a entrega da encomenda! Peguei o sonho da menina e corri para a marquise. Os olhinhos dela se desviaram para o embrulho como a querer se despedir da sua amiguinha, sofreando seu impossível sonho de, com ela brincar.

 

Epílogo:

 

Fingindo não lhe ver, dela me aproximei! De soslaio, contudo, pude ver que os tristes azuis-turquesa bailavam como cisnes naquele lago de lágrimas – com maior intensidade dentro das suas cavidades oculares – e se mesclavam à copiosa chuva. Não dava para distinguir onde começavam as lágrimas dos céus com as lágrimas da paupérrima menina.

 

Com a mão esquerda peguei o seu queixinho, puxando-o cuidadosamente. Queria ver o seu lindo olhar encontrar-se com o meu. Nossos olhares se encontram. Vejo que os seus olhos estão como o carmim – tamanha eram as dores inseridas neles. Com a mão direita entreguei a bonequinha para ela, enquanto dizia:

-Tome! É sua esta boneca! Pegue-a! Tenham – você e sua bonequinha – um Feliz Natal!

 

O seu rosto se abre em sorrisos. Os seus ávidos bracinhos sobraçaram o embrulho e as minhas pernas num demorado, encantador e delicioso abraço. A sua mão direita – desvencilhando-se da minha perna esquerda – pegou o meu braço. Nele ela deu dois pequenos toques aos quais entendi serem, para que eu me abaixasse. Atendi-a! A menina, então, puxou o meu rosto de encontro ao seu e deu-me o mais delicioso de todos os beijos que já havia recebido. Em retribuição, osculei o seu sujinho rosto. As lágrimas dos nossos rostos se misturaram às lágrimas do céu. Ela não me agradeceu com palavras – mesmo por que... não precisava! Sabia que ela não conseguiria dizer nem mesmo um: -“Muito obrigado, moço”! As nossas lágrimas, os nossos olhares e os nossos corações embriagados de amor já se incumbiram de se agradecer. Sim! Aquela pobre menina realizou o seu sonho de Natal, mas preciso e devo confessar que: Eu tive o maior e melhor de todos os Natais da minha vida, por ter realizado o sonho de uma pobre menina.

 

Vejo-a feliz e serelepe correndo na chuva. A molhada cabeleira espalhava as pérolas que caíam no atro asfalto. O papel que há pouco embrulhava a boneca, estava jogado ao chão e era levado pela enxurrada. Tomara que ela leve para bem longe – não somente o papel – mas todas as tristezas e desgraças que assolam a pobre menina – pensei!

E ela, alegre, serelepe corria buscando, talvez, a sua mãe para dizer-lhe:

- Mamãe, o Papai Noel me deu esta boneca! 

Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 30/12/2024
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