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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos

Catalepsia Patológica

 

...Ela, sendo uma encantadora mulher, era alvo da inveja das demais e dos desejos dos homens. Ao seu surgir nas calçadas, com o sutil caminhar de modelo a desfilar numa passarela, tudo parava, todos/todas babavam com a sua insofismável beleza.

 

Glória – era esse o seu nome – não se alheava à cobiça que despertava. Sabia, sim, quão bonita era e os sentimentos que provocava. Todavia, ela era, também, muito gentil, educada e a todos tratava com inegável carinho. Esta era a maior dádiva de todas as suas belezas!

 

Dentre todos os seus admiradores se encontrava o Alberto, um bonito rapaz de tez morena, olhos verdes e cabelos loiros, encaracolados, lindo como um Anjo da Capela Sistina, descrito na obra de Michelangelo. Ele adorava a bela Glória com um guardado segredo sob todas as sete chaves. Sabia ele ser um amor impossível: Glória era muito rica, ele paupérrimo! Vivia de um emprego que não era alvo de nenhuma glória: era um lavador de cadáveres da Funerária Descanse em Paz, existente na sua cidade.

-Esqueça-a – sai dessa, meu! A Glória não é para o seu bico! – diziam os amigos que – mesmo por estar guardado a sete chaves – sabiam do seu segredo por ser visível nos olhos de um pobretão amante que morria de amores pela Glória: um inglório e impossível amor!

 

Naquela fria manhã de domingo, ele estava terminando de lavar um corpo, quando adentra o recinto uma maca trazendo outro cadáver a ser preparado, para as solenidades fúnebres.

-Coloque-o ali, naquela mesa. Assim que terminar este trabalho, irei prepará-lo! – dissera ao diligente maqueiro!

 

Terminado o trabalho, ele se dirige ao corpo recém-chegado, retira o lençol que o cobria. O choque sentido quase o faz perder os sentidos – desmaiar! O corpo morto e nu à sua frente era o do seu imortal amor guardado a sete chaves: Amor pela Glória!

 

Alberto não se contém, as lágrimas incontidas fluem dos olhos e cascateiam faces abaixo – ele chora copiosamente! Um lamento nasce em sua garganta, explode sob a forma de um incontido grito só ouvido por ele. Os demais corpos presentes nada poderiam ouvir! Ninguém, mesmo ouvindo o seu grito, não iria compreender a sua dor. O seu amor impossível, a Glória, já não mais existia. E essa certeza se transformava nas incontidas lágrimas vertidas! O seu grande amor se fora para sempre.

 

Alberto abraça aquele corpo nu, inerte – sem vida! Respeitosamente, ele o cobre com o lençol. Sem ter noção do que fazer, puxa-o para si, coloca os braços sob a cabeça do corpo, envolve o seu pescoço e o abraça fortemente como gostaria de fazer em vida e beija-o com incontido furor, enquanto as suas lágrimas despencam sobre o rosto do seu impossível amor. As lágrimas – impossíveis de serem contidas – lavam o rosto da sua Glória e molham seus lábios sem lavar o inglório sentimento da perda sentida. Todavia, algo de inusitado acontece. Um lamentoso gemido: Hum... se esparge pelo ambiente.

 

Alberto, em princípio, se assusta. Será que alguém o flagrara beijando o corpo sem vida do amor da sua vida? Para ele, nada mais tinha importância. Continuou abraçado ao corpo tendo as suas lágrimas como companheiras do seu sofrimento banhando o rosto do seu amor, chegando aos rosados lábios da sua amada Glória de inglória morte!

 

De repente, um forte suspiro emana das narinas do amado corpo. Os pulmões inflam na busca do alimento oxigênio para os alvéolos. As pálpebras da Glória batem incessantes. Alberto não entende o que estava acontecendo. Ele não sente medo do que está vendo. E para glória sua, sua Glória está viva! Ele – pegando o lençol, e entre incontidos risos – cobre o corpo da Glória, enxuga do seu rosto as lágrimas que haviam se misturados às da amada, molhando suas faces.

 

Glória – entre incontidos risos – puxa-o para si. Com sofreguidão, beija-o e chora. Ambos choram os choros das incontidas lágrimas pelas alegrias sentidas!

 

Epílogo:

 

Passa o tempo. O tempo que, agora, pouco importa para os amantes, se estagnou. A felicidade é a tônica marcante de um indelével tempo que passa. Agora, o tempo presente que lhes presenteou com a vida, dá-lhes toda a vida para ser vivido o grande amor que trouxera Glória à vida que para sempre os uniu!

 

Os presentes na sala de espera se assustam ao verem Alberto e Glória envolta no lençol – envolvida pelos braços do seu amado – adentrarem, sorridentes, o recinto!

 

Para a alegria de todos e felicidade incontida do feliz amante Alberto, Glória não havia morrido. Ela tivera um ataque de Catalepsia Patológica!

 

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Imagem: Google

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Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 03/05/2023
Alterado em 04/05/2023
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