SOMENTE UM MAL-ENTENDIDO
Prólogo:
Lá nos rincões das Gerais tem uma cidadezinha tão pequerrucha que – ao que parece – fora esquecida pelo Deus Criador. É bem distante da capital. Fica bem pra lá d’onde Judas perdera as meias – bem depois de ter perdido as botas!
O tempo – que tem todo tempo de sobra – lá desliza com uma enervante pasmaceira. O modo de fazer passar o tempo e a vida é ficar de cócoras nas calçadas, curtindo o calorzinho do sol ao amanhecer, pitando um cigarrinho de palha e – com as filandras – fiar os fuxicos em alegres proseados!
Os filhos, almejando um melhor futuro, saem bem cedo das casas dos pais para tentar a vida na capital. E o sonho da menina moça Sofia – a mais linda garota daquele fim de mundo – não era diferente. A sua contagiante beleza era o orgulho da família e motivo da cobiça de todos os rapazes da cidade e das redondezas. O seu corpo era, por natureza, bem torneado, fazendo duo com o loirado cabelo a cascatear pelo pescoço, dorso e parte do colo desnudo que provocava suspiros e delírios nos rapazes das imediações.
Ela, também, pretendia uma vida melhor para si e para os seus familiares. Então, resoluta, se aproximou do velho pai e revelou a sua decisão:
- Meu pai, eu quero ir morar na capital para estudar, trabalhar e ajudar ao senhor e toda a nossa família. – dissera Sofia!
O pai coça uma imaginária caspa da cabeleira, olha-a de soslaio, cofia a áspera branca barba para, enfim, emitir a sua contrária opinião:
- Filha minha não vai sair de casa, para ficar morando na capital! Aquilo não é lugar para moça direita ficar morando sozinha. Nem pensar nisso, viu? Não vou permitir nunca que você saia de casa para morar fora! – enfático dissera!
- Não vai não, filha! Fica muito perigoso para você ir morar longe da gente! Tem tanto caso de moça que ficou perdida e mal falada que dá até medo de imaginar!
-"Seu pai tem toda razão, minha filha"! – diz a senhora Ana, mãe da Sofia, apoiando a decisão do marido!
- Mas, mamãe eu (...)
- Não tem “nem mais nem menos”, e fim de papo! – interrompe o senhor Manoel, cortando os apelos e argumentos da filha Sofia!
- Não deixa não, pai! Cidade grande é cheia de aproveitador de menina bonita igual minha irmã. Ela vai ficar perdida e mal falada se for embora de casa! Os homens da cidade vão fazer coisa ruim com ela, pai! – falou o João, irmão mais velho, fazendo coro com a opinião da mãe!
Triste com a recusa familiar, Sofia não se deixa abater. Decidida, ela elabora o seu plano de fuga. A jardineira – a única ligação daquela pasmaceira cidade de fim do mundo ao mundo civilizado – passava pela cidade rumo à capital por volta da meia noite – na madrugada! O plano era infalível. Esperando pacientemente que a família se recolhesse, ela foi para o quarto, arrumou as surradas roupas numa mala e esperou que todos fossem repousar nos braços de Morfeu. Notando que a família dormia, ela – pé ante pé – pegou a mala e foi para a estrada onde aguardaria a chegada da Jardineira, a mágica Carruagem da Cinderela que a levaria – não para o castelo, mas para a capital, o Eldorado – lugar onde esperava poder realizar todos os seus sonhos de menina moça.
O Alvorecer no Interior:
O sol começa a despontar nas cacundas da serra, pintando o horizonte com uma aquarela que causaria inveja a Renoir, bem como, à Leonardo di Ser Piero da Vinci. O velho galo sobe no tronco/palco, bate as asas e dá o toque da alvorada despertando toda a família. A senhora Ana, já desperta, vai até à cozinha para o preparo do café. Precisando de ajuda, chama pela filha!
- Sofia!.. Vem me ajudar aqui, na cozinha, minha filha!
Por não ter o atendimento ao seu chamado, ela vai ao quarto da filha e nota que ela, lá, não estava. Havia um bilhete sobre o travesseiro no qual a filha dava a explicação da sua fuga, enquanto pedia perdão aos pais e prometia que, um dia, iria voltar, quando pudesse, agora, prover à família tudo aquilo que ela havia sonhado oferecer. Aflita, desesperada, a mãe grita pedindo ajuda ao marido:
-Manoel, acode aqui, homem de Deus! A nossa filha fugiu! – dissera entre as incontidas lágrimas!
O senhor Manoel acode ao chamado da mulher e fica estarrecido com a traição da filha. Resoluto, ele vocifera: - Filha que foge de casa vai virar uma prostituta e – aqui, na minha casa – ela nunca mais vai botar os pés! – irado dissera!
Epílogo:
O tempo – antídoto contra todos os ódios e cura para todos os males – passa lépido, ligeiro, indo encontrar o senhor Manoel assentado na sala da casa, pitando o seu indefectível cigarrinho de palha. Os seus ouvidos captam o barulho do motor de um carro que parara frente à porta. Em seguida, ele ouve a porta do carro ser fechada, bem como, os passos de alguém que se aproxima da entrada da casa e para sob a soleira da porta. Ele se levanta e se espanta com a pessoa que avança em sua direção. Sem querer acreditar no que via ele reconhece na pessoa que chega a Sofia – sua filha que fugira para a capital. Ela, rica e sofisticadamente vestida, vai ao encontro do pai mantendo os braços abertos, implorando receber um abraço.
Atônito, o senhor Manoel vai ao seu encontro, mantendo, todavia, a cara de pouquíssimos amigos. O derrear dos braços demonstrava não querer receber o abraço que lhe era oferecido! Áspero e circunspecto, ele vai ao seu encontro indagando:
- Mulher (Notem: ele não a chamou de filha!), o que você veio fazer aqui, na minha casa? O que você está fazendo lá na capital? – quis saber!
- Cof!... Cof!.. Ham-ham! Pai, Chuif, Snif!... é que... Buaa!, Snif!.. sabe, pai? (Um sepulcral silêncio paira no ar e envolve o tétrico ambiente.) Resoluta, Sofia – retirando não se sabe d’onde as forças que lhe restaram – solta a voz:
-Ham-ham! Eu sou uma (Chuif! Snif!...) prostituta, pai! – titubeando entre choros e medrosa voz, dissera!
- Pra fora desta casa, já! Fora daqui! – exasperado, ele, aos gritos, expulsa a filha Sofia para fora da sua casa!
Ouvindo todo aquele furdunço, a mãe e o irmão se aproximam para inteirar-se do acontecido e encontram o senhor Manoel aos berros contra a Sofia. A mãe aproxima-se da filha que chorava copiosamente.
- O que aconteceu, homem de Deus, para ter todo esse fuzuê? – perguntou!
- Fala para sua mãe, fala! Conta para ela tudo o que você está fazendo na capital – conta, sua... sem vergonha, CONTA! – grita o irado senhor Manoel!
- Mãe.., Cof!, Cof!.. Chuif!.. voltei para ajudar vocês! Eu trouxe este carro para Snif!... o Papai (Oops! O senhor Manoel deixou de ser furioso – agora, é curioso! Os ouvidos se aguçam, os ávidos olhos brilham pela cobiça neles contida. Deve-se dizer que ele já havia visto o carrão!) e trouxe algumas joias para a senhora. Snif!... Soluços, Snif!.. Trouxe – além do carro – muito dinheiro para o papai e meu irmão poderem montar algum tipo de negócio para eles e ...
- Conta para a sua mãe, minha filhinha. (Opa! Notaram que o tratamento mudou?) Fala para ela o que você está fazendo na capital para ter tanto dinheiro, – minha amada filhinha – joias e um carrão tão caro como este! – sugere o pai que, no momento, não estava tão colérico como antanho estivera. A cobiça o acalmara!
- Pois é, Mamãe, Snif! – eu sou uma Prostituta! – Sofia confessa à sua mãe!
- Como é que é, minha filhinha? O que você está dizendo para a sua mãe é verdade? Você é uma Prostituta? – interfere o interesseiro senhor Manoel!
- Cof!.. Cof!.. Sou, (Snif!..) sim, papai! Sou uma prostituta! – Sofia responde entre lágrimas enquanto se despede da mãe e do irmão dizendo-lhes: -Adeus, mamãe! Adeus meu irmão! Adeus papai! – lamento ter decepcionado vocês, principalmente a você, papai – diz Sofia ao se despedir!
- Hum, hum!... Nada disso! Espera aí, filhinha! Aonde você pensa que vai? – quis saber! (Permitam-me, por favor. Quero relembrar o juramento feito pelo senhor Manoel: -“Aqui nessa casa ela não bota – nunca mais – os pés”! Pois, é né? Então, vamos em frente porque o tadinho do juramento fora parar lá nas cucuias – pra lá de onde Judas perdera as meias e bem depois de já ter perdido as botas! Caíra nas garras do “interesseiro esquecimento”.) Esquecimento? Humpf!...
Sofia, chorosa, retoma a palavra:
- Estou indo embora, meu pai! O senhor está certo em não permitir minha presença em sua casa. Então, só me resta desaparecer no mundo e da vida do senhor e de toda essa família! – dissera Sofia ao virar as costa para ir embora!
- Que que é isso, filhinha? Você está doida? Eu não ouvi direito o que você disse ao entender que havia dito que era uma Substituta! Então, filhinha, eu confundi Substituta com Prostituta, ou seja, Professora Substituta! Foi tudo um mal-entendido, viu? Perdoa o seu velho paizinho – me perdoa filhinha amada!
Moral da história:
Todas as histórias têm o seu conteúdo moral. Nesta – lamentavelmente, diga-se – vamos nos deparar com dois pontos que ferem os princípios morais, a saber:
*O dinheiro é a tecla que deleta todos os fundamentos contidos na ética, por ferir a moralidade, a honra, o respeito e caráter que devem permear por toda a ilibada vida do ser humano e, até, no amor! A única coisa que o dinheiro não consegue comprar é o balouçar do rabinho acionado pelo seu cachorro e o sorriso contido nos seus pios ocelos por vê-lo chegando.
*A outra moral que nos quer mostrar a história está no descaso e enorme falta de respeito à nobilíssima Classe dos Professores. E este descaso vem nos mostrar o mau índice de aproveitamento escolar, tendo em vista a insensatez dos governantes desta nossa Nação Brasileira por não valorar, como devia, a esta tão importante Classe. E, para piorar, todo este descaso para com a Nobilíssima Classe dos Professores, o sinônimo de Professora é – pasmem – Prostituta!
*Professora s.f. 1 mulher que ensina ou exerce o professorado 2. B N.E. infrm. Prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual (...).
(Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia. Dicionário Antônio Houaiss da Língua Portuguesa, Pág. 2.306. Editora Objetiva, 1ª Edição)
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