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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos

A Saga do Assobiador

Introito:

... E ali, estávamos nós! Mesmas pessoas, mesmos personagens e mesmos atores daquela entediante e burlesca tragédia grega em que se transformou o nosso cotidiano. Estávamos à espera da condução que nos conduziria às nossas casas. Os aflitos olhares miravam uma esquina. Era naquele ponto que as nossas esperanças se aglomeravam ansiosas por vê-lo chegar. Ele aponta na curva, a multidão se apronta pronta para o embarque. A um ranger dos freios ele para, as portas se abrem e povo se espreme para nele embarcar. Dentro já havia mais gente e menos lugares – como de costume, claro – fazendo o verbo espremer, conjugado no embarque, se espremer ainda mais durante toda a viagem.

 

Os taciturnos passageiros – mesmo sendo “’conhecidos de priscas eras” – não se comunicam entre si. Alguns estão - poder-se-ia dizer: a maioria - com os olhares fixos nos celulares, passando e recebendo mensagens ou jogando tolos joguinhos dentro de uma tola competição entre a máquina cibernética e o ser humano robotizado.

 

À minha mente aflora uma indagação: - Por que as pessoas estão tão fechadas, absortas em si mesmas? Somos viajantes diários dentro do mesmo veículo, somos moradores, talvez, do mesmo bairro, mesma rua, mesmo condomínio, mesmo andar onde então, pegamos o mesmo elevador e, mesmo assim – aumentando a mesmice – não trocamos sequer, um oi! Não nos preocupamos em saber como está o nosso próximo. Isso acontece, por quê? (...)

 

O ônibus segue o seu atro caminho, enquanto seguimos nós sem desatarmos os nós dos nossos – não menos atros – destinos. E mesmo estando numa era de uma doida “Era da Comunicabilidade”, incomunicável estamos, ficamos e – tristemente diga-se – incomunicáveis permanecemos! É o egocentrismo que se enraizou em nossos pétreos e robotizados corações!

 

Parte I:

Eis, todavia, que de repente algo de inusitado acontece. Um assobio começa a se espargir pelo interior do veículo. A melodia é saudosa por ser de uma época em que havia música. A música é antiga, mas – e por ser de ótima qualidade sonora e poética – era e sempre será atualíssima e inesquecível.

 

A poesia melódica prossegue. Noto que celulares foram desligados – deixamos momentaneamente de sermos robóticos zumbis. Sorrisos aparecem nas, até então, taciturnas faces. Vejo pessoas, agora, de olhos fechados. Não queriam ver nada que pudesse desviá-las daquele inebriante momento em que a poesia pedia e recebia passagem para os seus sofridos corações.

 

O velho músico fazia dos seus lábios o instrumento no qual executava, com ímpar qualidade, a bela melodia que nos embriagava de amor e ternuras de há muito esquecidos.

 

Epílogo:

Embarco nas Asas das Minhas Elucubrações para encetar uma viagem no túnel do tempo, onde retorno a um passado em que a poesia, o amor e a ternura eram coisas do cotidiano – havia à beça!

 

O ato de assobiar em via pública era comum. Os homens andavam pelas ruas assobiando as músicas e, às vezes, até cantarolavam as melodias como se estivessem no Teatro Scala de Milão. Agora, trazido pelas minhas Asas, aqui estou vendo os trovadores (Não são os de Toledo – asseguro-lhes!) assobiando e cantarolando as melodias da época e que, no hoje, tantas saudades poéticas ressuscitam nos saudosos corações.

 

Havia, também, o fiu, fiu! Era um assobio que os rapazes davam ao ver a passagem de uma linda garota! Era um gostoso “assédio melódico” – que não podia ser considerado crime (Ipis litteris: Nullum crimen, nulla poena sine lege!) – e que as gatas que o recebiam se sentiam elogiadas! Em contrapartida, elas sempre retribuíam àqueles “fiu/fius” com uns sorrisinhos envergonhados e escondidos pelas trêmulas e nervosas mãos.

 

Reembarco já saudoso nas Asas das Minhas Elucubrações e retorno a um presente onde o presente me entristece. Não há poesia. O amor se tornou escasso – quase inexistente. E estas coisas esquisitas às quais dão o nome de música, são meras asnices num ‘baticum infernal’, onde a poética melodia não tem vez e, lamentavelmente, nunca terá.

 

Retorno ao nosso ônibus urbano. O idoso assobiador continuava a nos brindar com as suas lindas e indeléveis melodias do seu saudoso tempo e que no tempo atual, tanta saudosa e poética lembrança trouxera-nos!

Noto que – mesmo momentaneamente – deixamos de ser meros zumbis robotizados pela máquina de uma desenfreada cibernética memória numa era de uma doida “Era da Comunicabilidade”, sem comunicabilidade alguma.

 

A você – senhor assobiador – quero agradecer pela sua colaboração ao fazer despertar nos nossos pétreos corações o amor e a poesia existente nas melodias, que você tão bem executou:

-Muito obrigado e parabéns, pelo seu inegável bom gosto musical!

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Imagem: Google

 

Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 28/01/2022
Alterado em 22/02/2022
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