Capítulo IV:
A negritude da noite cobria a cidade com o seu negrejar véu. No céu, nuvens não existem. Miríades, todavia, pululam por todo o espaço sideral! Carlinhos contemplava aquele belo contraste: a noite, sem nuvens, era uma tese, fazendo sobressair o intenso brilho das lindas estrelas a luzirem no firmamento para, assim, formar a antítese! E esse contraste – tese e antítese – tornava mais bela a ofuscante síntese, por ser ela a mais linda obra criada pelo Criador Supremo: Deus!
Lá embaixo, luzes multicoloridas enfeitavam a cidade. Os fogos de artifícios explodiam em um lindo espetáculo de pirotecnia. Tentavam competir – em sutil beleza – com a obra Divina. Era impossível! Jamais conseguiriam. As músicas natalinas, se espargindo pelo ar, adentravam pelos seus ouvidos.
Pelo embevecido menino passou um Papai Noel publicitário. Ele estava levando nas costas um saco vermelho. Vermelho pela tanta vergonha por estar vazio até das esperanças e por estar abarrotado pelas decepções vividas! E o velhinho Papai Noel estava a carregar um ar de tristeza na face cansada. Ele e o Carlinhos eram algumas dentre as muitas pessoas tristes e famintas, naquela que deveria ser a mais bela e alegre de todas as noites: Noite da Véspera de Natal. Era, aquela, a noite na qual os homens estavam a comemorar o Nascimento do Filho de Deus. Era o aniversário Dele! Contudo, ninguém Dele estava se lembrando, como sendo o aniversariante da noite. Poucos sabiam o que comemorando estavam. Era noite para dar e receber presentes. Era a noite de se fartarem embriagados nos braços de Baco, de Eros! Era uma noite, como outra qualquer, aberta à licenciosidade. E o Menino Deus queria, tão somente, receber como presente, que a Fé, a Paz e o Amor reinassem nos pétreos corações dos homens. E, assim sendo, haveria uma festa nos céus porque era, aquela, uma Noite de Véspera de Natal!
Assoviando uma Canção Natalina, Carlinhos se aproxima do seu barraco. Alegre, presente nas mãos, batendo na porta, chamou pela mãe:
- Mãe!... Mamãe! – resposta não há! Ansioso, repete: - Mãe!... Mamãe!
O silêncio – um sepulcral silêncio – veio como gritante resposta! Preocupado, Carlinhos repete o chamamento: - Mãe! Mamãe! Cadê você? Ninguém responde! Ela deve estar na casa da Dona Adelina – deduziu! Sem muita dificuldade abriu, por fora, a janela e, por esta, entrou no barraco. Contudo, no interior deste – e sem saber o quê ou o porquê – fora tomado por um súbito medo, um inexplicável mal estar. Esgueirando-se pela escuridão, tartamudeando em busca do caminho, chegou até a porta com a intenção de abri-la. Ao tocar a fechadura os seus temores aumentaram. A chave nela se encontrava. Mamãe não saiu. Ela está em casa! Alguma coisa, de errado, está acontecendo. Ao abrir a porta, uma nesga de luz vinda de fora desvirginou a escuridão fazendo-o ver a crudelíssima realidade: Tombado no chão de terra batida, jazia, sem vida, o corpo da sua amada mamãe. Carlinhos corre para junto deste. Prostra-se de joelhos e liberta um grito dos desesperados:
-Mamãe! Não me deixes! E ele abraça o sofrido e gélido corpo. Beijou-o por infinitas vezes. O choro fazia nascer no rosto do sofrido menino uma máscara de dor. Inconformado por tanta desgraça, copiosamente, chora! Chora e grita no utópico afã de ser ouvido. Ledo engano. Maria das Dores, dores não mais sentiria. Fome, para ela, não mais haveria. No âmago do espírito de Maria – que se fora ao encontro do amado esposo – também estavam as já saudosas lembranças do filho amado. Carlinhos ainda tem a utópica esperança de que a amada mamãe o ouça. E num último ato de desespero clama:
- Mamãe! Por favor, mamãe, fale comigo! Então, e tomado pelo desespero, grita: - Fale! Fale comigo, mamãe – fale!...
O seu grito se espalha por todos os cantos do humilde barraco como se fora um repetitivo eco da dor que grassava imperativamente no seu pobre coração!