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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos
Coisas De Mineiro
 
Dizem que ser mineiro é ser desconfiado, efúgio. É tudo isso e um pouco mais. É ao mesmo tempo, aquele cara que come pelas beiradas – o come quieto. O mineiro é diferente de todos os demais povos deste imenso Brasil de etnias tão diferenciadas. Talvez, pelo fato de ter nascido entre as ‘montanhas das alterosas’, seja esse, o motivo que o fizera se tornar arredio, sisudo e desconfiado por natureza – deve ser isso! Até o seu linguajar – a começar pelo famoso uai – o faz ser tão, digamos, diferente. Ele tem o costume de dizer tudo no diminutivo. É “quejim prá lá; cafezim prá cá”, porém, com tudo regado ao indefectível “pãozim de quejo” gostoso, sempre acrescido do “bão dimais da conta, sô”!

E o trem? Todo objeto, para o mineiro, é um trem – é diferencial e motivo de galhofas por parte daqueles que, não sendo mineiros da gema, gozam com a cara do mineirinho. Se, contudo, nos atermos em pegar o dicionário para folheá-lo, veremos que – neste caso, e como sempre – o mineiro está coberto por insofismáveis razões. Todo objeto é, na realidade, um trem.

Vejamos, pois, o que é Trem: “veículos automotores etc. (é um trem), de mercadorias como munição provisões (é um trem) etc., veículos de tração animal e de quatro rodas, no uso de transporte de pessoas (é um trem); carruagens; série de carros e vagões engatados entre si e movidos por uma locomotiva (é um trem); trem de ferro, comboio; conjunto de móveis de uma residência (é um trem); de peças de roupas com que alguém se veste; traje, vestuário; conjunto de utensílios utilizados em determinada tarefa” (é um trem). Ufa! Haja trens! Então, chegamos à seguinte conclusão: O mineiro está certo. Todo objeto físico e palpável, é – por si só – um trem, sô!
(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa; Editora Objetiva; Primeira Edição; Ano 2001; Página 2.760; Instituto de Lexicografia Antônio Houaiss.)

Todo este introito visa contar alguns “causos” (mineiro não conta casos, ele conta causos) de mineiros. Ouçamo-los, pois!
 
Causo do João da Pedra:

João da Pedra (da pedra porque morava perto de uma – essas coisinhas do interior: identificar as pessoas pelo local onde morava; pelo nome da mãe ou do pai. Ex.: João da dona Rita; João do “seu” Manoel. Portanto, o João da Pedra poderia ser da Ponte; da dona Rita ou do “seu” Manoel, etc. e tal!) era mais conhecido por João Três Pernas. Explica-se. O João era invejado por todos os homens; o João era o objeto de desejo de toda a mulherada. Já se imagina – pelo hipocorístico – o motivo: o João era o mais bem dotado homem de toda região. Tinha três pernas! Diziam as invejosas másculas línguas que a sua “terceira perna” era comparada à “quinta perna” do jumento. Exageros? Sei lá. O certo é que o João da Pedra gozava deste sacrossanto e invejado hipocorístico: João Três Pernas!

João – o mineirinho come/quieto – nunca tinha arredado pé da sua amada e querida cidade. Ali nascera e, ali sempre viveu. Mas ele tinha um sonho: conhecer o mar. Por ter ouvido dizer, era um aguaceiro – assim como a sua terceira perna – “mais maió de grande”. E esse era o motivo que o motivava conhecer o grandão aguaceiro.

A oportunidade aparece. Ele recebera o convite de ir ao Rio de Janeiro, onde teria a oportunidade de conhecer o aguaceiro tão sonhado. O João não pensou duas vezes: - “Vou lá sim, uai! Ri de Janero, se perpara qui tô ino vê esse aguaceiro qui tem aí, viu?” “Vou só te cunhecer, trenhão” – dissera rindo mostrando o siso!

A chegada ao Rio de Janeiro se dera à noite. Na pensão em que ficou hospedado, João não conseguia dormir. O desejo de conhecer o aguaceiro era maior que o cansaço da viagem. Não ouvira o cantar do galo, mesmo porque, galo não havia na cidade maravilhosa. Mesmo assim, cedo acordara. Tomou o café e, aflito, se inteirou de como chegar ao mar. Ensinaram-lhe e para lá ele foi alegre e saltitante. Primeiro ele ouve o barulho que lhe disseram que o mar produzia. Um cheiro novo – a maresia – lhe chega às narinas. Então, ele para extasiado.

O mar era um aguaceiro bem maior do que por ele imaginado.

-“Nossa mãe! Qui trenhão é esse meu Deus do Céu?” – indagou de si para si mesmo sem, todavia, obter resposta. E, se já estava extasiado com a grandeza do marzão, mais aflito ficou com as beldades estiradas nas areias. Os seus olhos não acreditavam no que ele via.

A mulherada – quase que pelada – estava lhe tirando do sério. A terceira perna deu “sinal de vida”. Queria, também, ver aquilo que o João da Pedra estava vendo. Ele a conteve se contendo.

Mas, e vendo que todo mundo estava à vontade, à vontade ficou. O João resolve entrar no aguaceiro. Roupa de banho? Não tinha. Fazer o quê? Sem pestanejar, tomou coragem: tirou a camisa; abaixou as “carças” e partiu firme em direção ao mar.

Vale dizer algo importante: à época, as cuecas usadas eram aquelas denominadas Samba-Canção. Confeccionadas em tecido branco, eram frouxas e tinham um comprimento que chegava aos joelhos. Assim, trajado – com somente o cuecão Samba-Canção – João adentrou o aguaceiro e nele se esbaldou. Estava realizado o sonho de conhecer o mar. E ele, o mar, era lindo, gostoso. Mesmo estando um pouco fria, a água era muito gostosa. O forte frio obriga-o a sair e ele sai do aguaceiro – o marzão tão sonhado!

Tadinho do João! Melhor seria ter permanecido na água. Ao sair, ele é alvo de olhares invejosos por parte dos homens e de desejo por parte das mulheres que nunca tiveram a oportunidade de ter visto algo tão grande como a terceira perna do João. O motivo foi o cuecão que, ao se molhar, colou-se às formas do seu corpo, tornou-se transparente, deixando – quase que visível – os seus invejados dotes: a terceira perna. E o João de forma inocente (Coisa de mineirinho sisudo.) olhando para a incrédula plateia risonha, indaga:
-“De que cês tão rino?” – e fazendo referência à sua terceira perna, indaga: -“Cês num sabe que quando ele (E o "Ele", claro, era "Ela" a sua terceira perna.) fica moiado e incói! Seus abestado duma figa?”
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IMAGEM: GOOGLE
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 19/06/2021
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