O ENCONTRO DE DEUS COM O HOMEM
De todos os males que assolam e permeiam no seio da humanidade, o preconceito e o fanático sincretismo religioso estão dentre os piores. Os detentores destes males não pensam que são deuses julgadores – eles têm esta cega e parvoíce “certeza” incrustada nas suas parvas e doentias mentes – pensam que são “deuses donos de insofismáveis verdades”. E vão mais além: Toda a parte restante da humanidade está cega, errada. A certeza está nas mãos da sincretista e doentia mente.
Aos fanáticos e sincretistas que, por ventura, queiram aventurar-se na leitura deste conto, peço-lhes: - Dispam-se destes preconceitos ou – caso em contrário – não façam a leitura!
*Nota do autor:
Introito:
O sol daquela manhã primaveril estava aquecendo o dia para compensar a gélida noite anterior. Ângela, fiel escudeira, adentra a varanda e anuncia:
- Dr. Anderson, a mesa do café já está posta. Fiz pão de queijo e aquele bolo de chocolate que...
- Está bem, Ângela. Você quer mesmo é me ver gordão e pançudo como o Papai Noel! Ambos riram, enquanto se dirigiam em direção à mesa, onde já se encontravam a esposa e o casal de filhos!
- Bom dia, papai – disseram, em uníssono, os filhos Anderson Júnior e Rute!
- Bom dia, meu amor! Dissera a esposa Sara, completando o cumprimento dizendo: - Você está tão radiante, hem!... Viu... o passarinho verde? – indaga!
A esta observação todos riram.
- Estive acordado até mais tarde, fazendo revisão da minha tese de pós-doutorado em teologia e...
- A terceira, né pai? – completou o Júnior entre risos.
- É, filho! É a terceira. Mas sempre será como a primeira. Bate sempre aquela sensação de... sei lá! De medo, talvez, de que algo não esteja como o programado. Coisa de calouros – marinheiros de primeira viagem – riu!
Todos riram. Sara – ainda entre risos – corta o papo e, enfática diz: - Vamos comer enquanto está quente, porque senão a Ângela vai nos matar.
- E vou mesmo! Dissera, também entre risos, a fiel escudeira!..
- Assente-se à mesa conosco, Ângela, e aproveite dos ...
- Nem pensar! Humpf! Muito obrigado, mas tenho trabalho a ser feito!
Terminado o fugaz café matinal, todos se levantam buscando chegar aos compromissos assumidos.
- Como estão os meus guris (Anderson Jr. está cursando medicina e Rute engenharia civil) nos estudos?
- Estamos bem! Ontem, à noite, falei para a Rute que – se continuarmos assim, com tantas notas altas – vamos terminar os nossos estudos sendo os melhores alunos de todos os cursos da faculdade.
A cara do Dr. Anderson ficou pequena para tamanho riso. E ele, eufórico, agradece: - Obrigado, meus amados filhos.
Capítulo I: A Mensagem.
- Querida, vou ao escritório para dar uma pequena revisada na minha tese – dissera o Dr. Anderson e...
- Tudo bem, meu amor! Se precisar de algo, é só chamar – dissera Sara.
Dr. Anderson retira o roupão de chambre e o deposita sobre o sofá. Ele, então, começa a sentir algo estranho... um arrepio a lhe percorrer todo o corpo. Quis chamar a esposa... a voz não saía. Ele assenta-se na poltrona... o ar parece lhe faltar. Uma névoa envolvendo uma brilhante bola invade o seu escritório. Ele treme ao pensar ter chegada a sua hora.
Uma voz grave – porém suave e pausada – lhe chega aos ouvidos:
- “Não temeis nada, Dr. Anderson! Deixarei anotado este endereço, bem como, o dia e a hora para o nosso encontro. Você não estará sozinho. Muitos outros estarão presentes.”
A voz se cala. A névoa começa a se espargir por todo o ambiente e se vai deixando atrás de si um silêncio sepulcral! O coração do Dr. Anderson, ao que parece, volta aos seus batimentos normais. Ele, ainda trêmulo, se levanta e sai em busca da esposa Sara. Encontra-a e, ainda lívido por tudo que presenciara, pergunta-lhe:
- Você ouviu a voz? ...
- Que voz, Anderson?
- Querida... aconteceu algo de estranho lá no escritório. Uma luz – envolta em branca névoa – adentrou o escritório e (...). O Dr. Anderson faz o relato do acontecido.
- Você tem certeza do que está me dizendo?... indaga a aflita esposa!
- Absoluta! Aqui está o endereço completo, bem como a hora deste encontro.
Atônita, Sara pegando o papel lê o que nele estava escrito. Nota, porém, que a caligrafia não era a do seu marido. –Você notou que a caligrafia não é a sua? Dissera!
- Não escrevi esta nota! Mas, como pode ser isso? Estava sozinho no escritório e ...
A difusão da mensagem!
Todavia – e sem que soubesse – o fato que causou tanto temor ao Dr. Anderson, fora repetido ao mesmo tempo e hora em todas as partes do mundo, para todas as mais altas Cortes do Clero Cristão, bem como, para os Pastores das pequenas Comunidades Evangélicas, até aos mais recôncavos rincões, indo chegar ao interior daquela densa floresta.
No centro daquela densa floresta estava o Pajé da Tribo Indígena. E ele, assentado, se sente envolvido por aquela névoa com uma enorme bola de luz. Mas ele nada teme como temera o Dr. Anderson. Sorrindo um riso angelical ele ouve a mensagem oriunda daquela ofuscante luz e se despede da voz que lhe ordenara ir ao local do encontro.
Capítulo II: O dia do encontro:
Uma enorme caravana composta por todas as autoridades do mais Alto Clero Cristão se aproxima do local do encontro que ficava fora dos limites da cidade. Eram Padres, Pastores de todas as denominações Evangélicas e – até se destoando dos demais – a figura de um Pajé que se destacava por suas inusitadas vestes, mas, que também, fora convocado para o inusitado encontro.
Seguindo os tópicos do endereço, a Caravana sai da via principal e adentra por uma bem cuidada estrada de terra. Logo após uma curva, a Caravana avista um enorme campo com uma vasta folhagem de viçoso verde e variadas flores silvestres. Em meio aquela densa folhagem, uma grande construção se destacava. Era um celeiro de exagerada proporção rodeado por muitas árvores frutíferas. Parecia ser um sítio ou mesmo um pequeno rancho. Todavia, não se via nenhuma criação típica, para que se pudesse dizer que aquele local era aquilo que parecia ser. Via-se que tudo estava muito bem cuidado.
De repente, uma porta se abre. Era o convite para que todos entrassem. Todos adentram o galpão e se dirigem olhando a todos os cantos na busca de um entendimento ao que estava acontecendo. Dentro do galpão havia uma enorme mesa com forma circular e, em torno desta, muitas cadeiras uniformemente dispostas e em número suficiente para todos. Mas uma das cadeiras era diferente das demais. Possuía um encosto mais alto e, ao lado, havia dois anteparos para os braços do provável ocupante.
A Caravana já tinha formado pequenos grupos a comentarem sobre o inusitado convite, bem como, a forma de como fora feita a comunicação. Nestas ocasiões – quando há um aglomerado de pessoas – é comum que haja um burburinho. Todos falando ao mesmo tempo e, aquele que não pertencia a nenhum dos grupos ficará ouvindo um zumbido mais parecido com um enxame de abelhas lutando na defesa da sua colmeia.
De repente, um barulho de algo que caía chama a atenção de todos. Era o faxineiro que havia escorregado no solo molhado e ficara caído no piso. Todos acham graça daquele tombo. Todos riram ao verem o faxineiro caído naquela grotesca posição. Mas, nem todos riram. Um dos presentes se dirige em socorro ao faxineiro – um senhor de pele negra, tendo os cabelos e a barba já grisalhos por uma indescritível brancura – aparentando uma idade entre os cinquenta, sessenta anos, se tantos. Ele tinha os olhos de um azul brilhante e um olhar perscrutador, típico das pessoas de renomada e invejada inteligência.
-Oi! Tudo bem com o senhor? Foi um tombo feio, hem?
-Ah!.. que nada! Foi um mero escorregão. Isso acontece sempre e ...
-O seu braço parece um pouco avermelhado. Vou dar uma olhadinha nele – dissera o jovem socorrista, enquanto o ajudava a se levantar. Assenta-o em uma cadeira e nota que um pequeno edema se formara na altura do antebraço. Na outra cadeira, deposita a Bíblia Sagrada que carregava sob a axila.
-Tem um inchaço aqui. Você sente dor ao meu toque?
-Só um pouco. Nada que seja preciso se preocupar.
O socorrista pega uma toalha que se encontrava disposta sobre uma mesa e passa a enxugar os braços e rosto do faxineiro...
-Não faça isso, meu jovem! Não é preciso se preoc...
-Melhor será o senhor se calar, viu? – dissera o jovem, enquanto enxugava, desta feita e com esmerado carinho, as pernas, os pés do faxineiro. Terminado o processo, enxuga as próprias mãos e diz:
-Dia desses – assistindo um filme de lutas marciais – eu vi que o treinador aplicava uma técnica de massagem no seu pupilo que havia tomado uma pancada na parte posterior da perna. É muito bom e vou aplicá-la em você.
-Ah!... não carece não – recusa o faxineiro. Eu...
-Fica caladinho, tá? O médico neste momento sou eu! – disse entre risos! Você é um mero paciente. E prosseguindo falou: - A técnica consiste em esfregar bem as duas palmas das mãos até que você sinta que elas estejam bem quentes. Em seguida, é só fazer as imposições das mãos bem firmes sobre o local da lesão que, logo, logo, a dor passa. E enquanto falava ele esfregava as mãos e as impunha sobre o local atingido. Por seis – oito vezes, talvez dez – o processo fora repetido.
-Sabe que você tem razão. Caramba, as dores estão diminuindo e...
-Não lhe falei que esta técnica é excelente, seu teimoso? Ambos riram como se fossem velhos amigos de outrora e que, agora, se encontraram.
-Como é o seu nome? – perguntou o faxineiro!
-João... João Batista o m...
-Hum, hum!.. João Batista hem? – bonito nome meu rapaz, interrompera o faxineiro!
-Como ia lhe dizendo, o meu pai era um Pastor de uma comunidade pequena e em cada um dos filhos que nascia, fora escolhido nomes constantes na Bíblia Sagrada. Ele queria que eu me tornasse um Pastor Evangélico. Seu sonho era o de que eu o substituísse na Igreja da nossa pequena comunidade. Prestei vestibular em Teologia e, ao término do curso, retornei ao encontro do meu orgulhoso pai. Mas, devo confessar: - Não era aquilo o que almejava para mim. Durante o meu curso fui muito contestado por muito contestar. Na Bíblia Sagrada há muitas coisas com as quais discordo e...
- Hum, hum!... Murmura o faxineiro indagando: - Em quais pontos da Escritura existem as suas discordâncias?
- São vários pontos divergentes – dizia o socorrista enquanto esfregava as mãos, aquecendo-as para a supressão, sobrepondo-as ao edema! Discordo, por exemplo, do Deus descrito na Bíblia, que se posiciona em favor de um determinado exército para matar os adversários; discordo também, de um Deus que exige de um pai o sacrifício do próprio filho para provar que ele, o pai, ama o seu Deus; de um Deus discriminativo em relação às mulheres; daquele Deus que – com a intenção de libertar os escravos judeus de um cativeiro – friamente, assassinou centenas de crianças egípcias, fazendo o mesmo que fizera o Rei Herodes, quando do nascimento de Jesus Cristo; discordo do modo como a Bíblia fora escrita numa linguagem de difícil entendimento, como a nos dizer que Deus é um ser misterioso. (Hum, hum!... murmura o faxineiro!) Eu não O vejo assim – envolto em mistérios. Vejo-O como um ser presente em tudo que existe ou que possa vir a existir. Vejo-O vivo em mim e em todas as formas de vidas existentes ou imaginárias! Para mim, Ele é simples – é o Cara no qual eu mais confio!
Sabe meu amigo, eu discordo das discriminações impostas pelas opções sexuais que as igrejas impõem em nome de Deus. Jesus quando veio ao mundo não se instalou em nenhum templo. Ele foi em busca dos pecadores que viviam nos bordéis, nos lupanares, defendeu as ditas “impuras prostitutas”, os ladrões e provavelmente, aos homossexuais. Jesus bem sabia que os piores pecadores e ladrões se encontravam infiltrados dentro dos chamados “Templos Sagrados” – como ainda hoje, estão! (Hum, hum!... – novos murmúrios do faxineiro!)
Jesus disse: -“Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei”. Esta declaração significa um terno convite do Senhor Jesus, para que os pecadores creiam Nele. Dizendo isso, Jesus não discriminou a nenhum daqueles que se sentissem cansados, ou mesmo, oprimidos. Então, há de se perguntar: - Que Deus é esse apregoado pelos falsos profetas e discriminadores vendilhões do templo? Ninguém mais - além do Salvador - será capaz de aliviar e dar descanso aos que estão cansados, oprimidos e sobrecarregados.
- Hum... hum!.. Murmura o faxineiro enquanto dizia: - É... faz sentido!
- E o seu nome, qual é? – indaga o socorrista!
-Meu nome é... bem – hesitava o faxineiro – e, por fim falou Teodoupolos e eu...
-O quê? Esse nome é grego... só pode! Rira o João... sorriu o faxineiro!
-Espera – interrompe o faxineiro! Eu estava querendo lhe pedir um favor: Meu nome tem letras demais e – cá pra nós – eu não gosto dele de jeito nenhum e...
-Com que nome eu vou chamá-lo se ...
-Téo... me chame de Téo – disse o faxineiro interrompendo o João – é bem menor, mais comunicativo e não gasta tantas letras para se escrever e pronunciar. E tem mais: - Se você me chamar daquele palavrão (ambos riram) eu juro que vou esquecer tudo que você fez por mim e vou lhe enforcar. Riram ameaçador e ameaçado!
Capítulo III – O Silêncio:
João e o amigo Téo notaram que o zumbido do enxame das abelhas estava diminuindo.
-Parece que está chegando a hora da sua reunião – dissera Téo!
-É verdade. Bem... vou chegando para lá – dizia João ao mesmo tempo em que estendia a mão na despedida ao amigo Téo. Espero que as minhas massagens possam lhe trazer o alívio. Andando de costas, ele dá um aceno para o amigo, ao mesmo tempo em que diz:
-Fique com Deus, meu amigo! Dito isso, ele se vira de frente para o grupo virando as costas para Téo e segue em frente.
Téo lhe envia um aceno que não fora visto e nem chegou a ouvir - por culpa do alarido - o que Téo lhe dizia. – Vá com (...)
João Batista se aproxima do grupo. O Dr. Anderson se aproxima dele e pergunta-o:
-Você já conhecia aquele faxineiro? Vi que você correu para socorrê-lo e imaginei que eram amigos de há muito.
-Não! Nunca o tinha visto antes! Mas para se prestar ajuda – ou mesmo o socorro a uma pessoa – não será preciso conhecê-la. Fiz por ele o que faria por qualquer outra pessoa. E ele é gente finíssima – creia!
Cabisbaixo, o Dr. Anderson se afasta. Ele bem que poderia ir dormir sem tomar uma dessa!
No entorno da mesa todos estavam, mas ninguém se atrevera em assentar-se. De pé, ficaram aguardando aquilo que viria a seguir. Em dado momento, uma suave música envolve a todos. Não havia uma melodia. Havia, sim, uma sequência de arrítmicos acordes que a todos encantava. De repente, uma densa névoa se forma sobre a mesa. Do seu interior, uma Bola de sublime Luz se esparge. A névoa direciona a iluminada Bola até a cadeira na qual havia o encosto e antebraços. Ali, a névoa e a Bola param. A névoa envolve toda a cadeira, e a Bola se torna mais brilhante. Do seu interior emerge o som de uma voz forte, porém, suave e desperta nos presentes uma confiança e paz nunca dantes desfrutadas. E a voz anuncia:
-Assentem-se senhores!
Todos tomam os seus escolhidos lugares. João sente algo estranho ao ouvir aquela voz – pareceu-lhe familiar! Dr. Anderson se posicionou na cadeira que ficava em frente ao assento que ora, era ocupada pela brilhante Bola de Luz. Esta escolha já havia sido feita e planejada de há muito – logo na chegada da Caravana ao local. Ao seu lado, toma assento o Papa!
Estando todos já devidamente assentados, a voz anuncia:
-Todos estão a se perguntar: o porquê deste encontro? Eu tenho uma importante missão para cada um dos senhores.
-O Senhor é Deus? Indagou o Dr. Anderson!
-Sim! Eu sou aquele que a tudo criou. Tudo aquilo que você já viu e imagina que irá ver. Eu criei esta minúscula galáxia e este pequeno mundo para vocês. Eu a tudo criei e por ninguém fui criado. Eu sou o Criador de todas as criaturas e coisas existentes neste e em todos os lugares deste vasto universo cujo tamanho extrapola a todas as expectativas de grandezas que vocês possam imaginar. Eu estou muito aquém do início que vocês conhecem e infinitamente além do que possam supor as suas vãs imaginações. Muito antes da existência do início imaginado por vocês, Eu já existia. Muitíssimo além dos seus imaginários pontos finais, lá – e bem depois de lá – Eu me encontro. Eu Me faço presente muito além de todas as dimensões que possam imaginar!
-Como o Senhor pode provar isso se ...
-Faça como fizera Tomé com o meu Filho Jesus Cristo: - Toque-Me!
Todos se calam. Há um silêncio temporal. A voz, novamente, se faz ouvir:
-Os senhores estão incumbidos de escrever tudo que aprenderam sobre Mim. Quero que escrevam um novo Livro ao qual darei o nome de Bíblia Sagrada que será por Mim abençoada. Deverá ser um trabalho no qual os senhores demonstrarão tudo aquilo que levou-Me a mandar o meu Filho amado a este mundo para salvar aos pecadores. Vocês O mataram naquele longínquo tempo e continuam matando-O até nos dias de hoje. Estou triste. O sacrifício do meu Filho – ao que parece – fora em vão!
-Os senhores terão dois anos do seu tempo para trazer-Me esta obra. O trabalho é individual. Cada um deverá colocar – como já havia dito – tudo aquilo que o meu Filho preconizou para vocês.
Nesse exato momento o índio Pajé coloca a palma da mão sobre a mesa e diz:
- Aicotã erecoçá, Aicaaivat? – indaga o Pajé!
- Aricoçá uaitê i, Pajé! – ecoa a voz!
- Ereticô avi! Caraiuê fazê Aicaaivat triste? Diz o Pajé sorrindo, em coro com o riso que vem da bola!
- Aicaaivat, Pajé não escrevê livro pra caraiué. Pajé num sabê lê. Pajé num sabê escrevê. Pajé só sabê adorá Aicaaivat! Na uandema clara Pajé olha atipó pra adorá e agradecê Aicaaivat que mandou uaatê fazê tudo ficá mais bunito.
O Pajé faz uma pequena pausa... respira e retoma a palavra:
-Pajé num sabê falá bunito pra caraiué... mim só sabê agradecê Aicaaivat tudo qui Aicaaivat dá índio. Coração de Pajé e do povo da nhoá num tem ódio. Índio num sê caraiué qui gosta de matá os bicho pru que gosta de matá. Índio matá bicho para vivê... num morrê de fome... Aicaaivat sabe... índio tê coração bom e vive pra agradecê Aicaaivat! Povo da nhaá agradecê Aicaaivat que mandou aat que dá vida pra povo índio. Num tê aat... num tê luz de ihuadac pra dá vida a muá de índio. Povo da nhaá vive só pra adorá Aicaaivat!
O Pajé se cala. O silêncio é gritante.
A voz oriunda da Bola estava silente enquanto o Pajé falava. Então, a voz novamente se faz ouvir:
- Pajé, eu sei tudo sobre você. Não é preciso dizer palavras bonitas. Basta, tão somente, dar vóz ao seu coração. O seu desinteressado amor e respeito por Mim... por Mim é reconhecido e aplaudido. Para amar-Me, não será preciso ter tantos conhecimentos literários, basta ser bom e amar a Mim sobre todas as coisas – obedecer-Me sem ser subserviente. Eu os criei livres, não os criei para serem meus serviçais. Apregoei o livre arbítrio com o objetivo de ser seguido por amor, não por uma interesseira subserviência. Não gosto da escravidão. Todos aqueles que quiserem amar-Me, que o façam por livre e espontânea vontade e não por temerem a satanás. Este é um amor interesseiro que, bem sei, não existe no coração do povo índio.
A voz oriunda da Bola deixa de ser ouvida. O silêncio se faz presente!
Dr. Anderson, sentindo um pequeno desconforto, se remexe na cadeira que ocupava, como se ela fosse uma cadeira de faquir. A voz vinda da bola acertara-lhe o calcanhar por ser, dentre os presentes, o mais culto!
A voz esperava que houvesse algum questionamento. Não houvera questionamentos e a voz é novamente ouvida:
-A nossa reunião está encerrada senhores, e voltaremos a nos reunir ao fim do tempo dado, para que seja entregue o novo livro que será Sagrado por Mim, para ser o novo caminho a ser seguido por todos aqueles que – por arbítrio próprio e desinteressadamente – o escolher.
Capítulo IV – A Despedida:
A multidão vai, aos poucos, abandonando o local. João e o Pajé são os últimos a saírem. João volve o olhar. Buscava encontrar o amigo Téo. O vê e vai ao seu encontro.
-E aí... como foi a reunião? ... indaga Téo!
-Téo... Deus está aborrecido com a gente – confidencia-o João!
Téo sorri e diz:
-Deus?... Era Ele que estava na reunião?
-Sim! Era Ele sim, Téo...
-Você está brincando! Ele em carne e osso? – novamente indaga-o Téo.
-Não!... Ele nos apareceu sob a forma de uma Bola de Luz envolta em uma densa névoa e...
-Caramba, meu amigo! Você chegou a perguntar alguma coisa para Ele, deu um toquezinho Nele e ...
-Não!.. Não toquei Nele. Não era preciso. Acreditei que era Ele, e só! Nada perguntei para Ele. Fiquei tão... emocionado, sabe?... não dá para explicar o que senti e, até agora, sinto. Amigo Téo... Ele é simplesmente fantástico, meu amigo!...
- Téo, vim até aqui só para me despedir de você meu amigo! Daqui a dois anos, estaremos de volta a este mesmo local e ...
-Se a mesma empresa for novamente contratada para preparar o terreno para este... como é mesmo o nome?... ah, sim, encontro, talvez – e eu quero muito – nos encontraremos. Você é – como é mesmo que esta moçada anda dizendo? – legal pra caramba, bicho!
Ambos os corpos dos amigos – agora abraçados – se balouçavam pelos sorrisos provocados.
-Téo... você – como bem diz esta moçada de hoje – é o cara! Ambos se abraçam novamente entre sorrisos de despedidas.
-Adeus, meu grande amigo – diz João ainda abraçado ao amigo Téo!
Téo lança-lhe um sorriso maior que a própria cara. Aperta o amigo João Batista contra o peito e lhe diz:
-Vá em paz... você estará, sempre, muito bem acompanhado!
-Só se você, também, estiver comigo! – disse João entre os sorrisos!
-Quem sabe, não? Vamos ver! Ambos riem!
E os amigos se despedem! João vira-lhe as costas e se vai. Em dado momento, ele volve o olhar. Queria guardar nas retinas a imagem daquela tão inusitada figura. Todavia, só vê parte do corpo que adentrava o local onde há um lavatório. Era, também, onde os produtos de limpeza e ferramentas de trabalho ficavam depositados!
João nota que a toalha por ele usada, quando enxugara os braços e pés do Téo se encontrava sobre a mesa, retorna para pegá-la e entregar ao Téo que, provavelmente, dela iria precisar ao sair do banho. Assim pensando, João retorna ao local onde estava a toalha, pega-a e adentra o local onde deveria estar o Téo.
-Téo!.. Você esqueceu a toalha sobre a mesa e... João se assusta. Não há ninguém naquele local. Onde deveria haver um box com chuveiro, nada havia. Todo o local era ocupado por inúmeras ferramentas e nada mais.
-Por onde o Téo saiu? – indagou aos seus botões! Sem uma resposta satisfatória, dobrou a toalha, guardou-a sob a sua axila e se dirigiu à saída do galpão!
Dois anos depois:
O tempo, célere, passa. Novamente a caravana volta a se encontrar no mesmo galpão de anos antes. Os Pastores presentes ostentavam grossos tomos dos textos literários na esperança de que os mesmos viessem a ser consagrados como sendo a futura Bíblia Sagrada.
O tomo ostentado pelo Dr. Anderson era o mais vistoso. Pela enorme espessura do volume, poder-se-ia dizer que devia ter em torno de umas duas mil páginas. A capa da obra era feita em pelica na cor preta, ornada com doiradas letras em estilo gótico onde se lia em letras garrafais: Bíblia Sagrada. Autor: Dr. Anderson, tendo, em seguida, uma foto e currículo do autor, com destaque aos seus títulos de Doutorado.
O tomo que o João trouxera, também, era destaque por se destacar em simplicidade. Era um tomo com, no máximo, umas cem páginas – se tanto – e encadernada com um arame espiralado, e tinha como título os dizeres: Textos a serem submetidos à apreciação do Senhor Deus para aprovação, ou não, de uma futura Sagrada Escritura.
Os olhares dos demais passeavam sobre o tomo do João e, alguns, não conseguiam esconder o escárnio: - Quanta falta de respeito ao nosso Deus! – diziam entre risos.
João não se incomodava com as críticas. A sua preocupação se estribava em encontrar a figura do amigo Téo. Atento buscava-o, sem, todavia encontrá-lo!
O ensurdecedor burburinho, de repente, vai-se esvaindo. Os mesmos acordes harmônicos se espargem pelo ambiente. Agora, o silêncio é sepulcral - dava para ouvir o estalidar das asas de uma mosca vadia a voltear no ambiente.
Uma densa e enorme nuvem começa a se formar perto do local onde as ferramentas e produtos de limpeza eram guardados. E a nuvem – trazendo no centro uma brilhante bola – vem se aproximando dos presentes, paira sobre a mesa e envolve a cadeira – a mesma cadeira ocupada na primeira vez!
A nuvem vai se tornando mais densa... a bola, agora, com mais ofuscante fulgor – brilha! E a voz que dela se emana, faz-se ouvida:
- Que a Minha paz esteja com todos!
- Amém! – todos respondem!
João está tenso! Havia naquela voz algo bastante familiar. Pareceu-lhe já tê-la ouvido. Talvez, fosse em sonho – riu das próprias conjecturas! A voz é novamente ouvida:
- Pelo que posso ver, todos fizeram o que fora pedido. Coloquem os textos sobre a mesa.
Obedientes, todos cumprem a ordem. O Papa e o Dr. Anderson fizeram questão de serem os últimos. Objetivavam colocar os seus trabalhos sobre os demais. Precisavam mostrar o devido capricho dado às suas obras!
Textos amontoados sobre a mesa. A nuvem se afasta da branca Bola que permanece flutuando sobre a cadeira, pairando, desta feita, sobre os textos. Uma leve brisa começa a abrir e folhear os escritos numa velocidade incrível.
Então, o inusitado acontece: Um fogaréu com enormes labaredas passeia sobre os textos incendiando-os. Dos textos postados restaram somente cinzas. E as cinzas, agora, eram sopradas pela suave brisa que voltou a se fazer presente, mostrando que nem todos os textos foram incinerados. Um texto encadernado com arame espiralado emerge das cinzas – fora ele, por Deus, o escolhido.
Atônitos, todos – em tremendo burburinho – questionam a Divina Voz:
-Senhor, não houvera o devido tempo para os textos serem lidos para uma análise profunda do conteúdo. Como o julgamento fora feito, assim, de forma tão sem critério?
-Os seus textos, senhores, não foram lidos agora. Muito antes dos senhores escreverem seus textos, Eu já sabia todo o conteúdo dos mesmos. O texto escolhido fora o mesmo que havia entregado ao libertador Moisés – os Dez Mandamentos. Aquela é a verdadeira Sagrada Escritura por conter tudo aquilo pelo qual o Meu Filho Jesus tentou ensinar à humanidade. Todas as coisas que, mais tarde, os homens vieram a escrever sobre Mim: os sacrifícios aos quais disseram que Eu pedi; as tantas mortandades que perpetraram em Meu nome; as barbáries das Guerras Santas – também perpetradas em Meu nome; todas as invencionices criadas pelos homens e creditadas às coisas que nunca disse ou fiz – deixaram-Me triste. Ao enviar o meu Filho, dera-Lhe a missão de salvar os homens pecadores. Mesmo sabendo que nos templos existem mais pecadores que nos bordéis, mandei-O que dos templos se afastasse. Eu sabia que matariam o Meu Filho como O mataram naquele dia de vergonha para a humanidade. Todavia, senhores, o Meu Filho é assassinado, todos os dias, até nos atuais do hoje e serão no amanhã e nos futuros amanhãs, pela ganância de conquistas e poderes almejados pelos homens que – fazendo o uso do Meu nome – perpetram contra a humanidade. As minhas ovelhas – que deveriam ser bem cuidadas nos apriscos – estão sendo tosquiadas de forma desavergonhada pelos senhores, quando delas são retirados toda a lã/dinheiro do sustento das suas famílias. O Meu Nome que deveria ser respeitado - adorado e cultuado - vem sendo usado desavergonhadamente para sujas negociatas – imundas negociatas – para eleições de políticos corruptos. Vocês são arrogantes com as minhas pequenas ovelhas e subservientes para com os poderosos.
O meu Filho Jesus Cristo quando veio ao mundo, Eu o fiz nascer em meio aos animais – numa manjedoura! Quis mostrar para a humanidade que Ele não era um palaciano – era o Verbo que se fizera carne/homem... homem simples, homem do povo. No entanto, hoje, os senhores erguem palacetes que ostentam aquilo que nunca apregoei. Quisesse Eu as ostentações e grandezas para o Meu Filho Jesus Cristo, teria erigido o mais portentoso dos palácios nunca visto ou imaginado pelos homens. Os homens de antanho – bem como os que formam a humanidade de hoje – não entenderam a minha mensagem. Não os quero vendendo o Meu nome. Não receberei no Paraíso aqueles que são os vendilhões dos templos que os senhores dizem terem sido erguidos para louvar-Me em adorações que nunca partiram do coração. Não os quero carregando o Sagrado Livro sob a axila. Quero-os carregando-Me dentro dos seus corações. A ostentação do Sagrado Livro, exposto aos olhos das minhas ovelhas, não é a prova do amor que sentem por Mim. Senhores, não tentem enganar-Me. Tudo aquilo que fizeram (fazem e farão) Eu – que a tudo vejo e de tudo sei – enganado não serei!..
Ao criar o Éden e entregá-lo ao homem, disse-lhe: - Crescei e multiplicai. O crescer não se atem ao sentido demográfico. É crescer no amor, na evolução da mente para melhor entendimento cultural e evolutivo. Entenderam errado, e o pior de tudo aconteceu: A humanidade está – de há muito – se desumanizando. De todos os ensinamentos contidos na Sagrada Escritura dos Dez Mandamentos, nenhum fora guardado, cumprido. De todos os crimes que os senhores estão praticando o pior deles é o uso do Meu nome em vão!
Ainda há tempo para se consertar tudo aquilo que de errado fora feito. Sejam honestos pastores das minhas pobres ovelhas. Trilhem o bom caminho, para que possam ser o exemplo das quais elas tanto precisam seguir. Façam as suas ovelhas entenderem que os senhores são os Meus fiéis seguidores, porque Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Mesmo sabendo o futuro e tudo aquilo que irá acontecer, gostaria de dizer-lhes: - Se esforcem para serem melhores. Ainda há tempo – usem este tempo para as mudanças, enquanto o tempo houver. Quero, espero e gostaria de encontrá-los no Paraíso!
O silêncio, agora, passeia pelo ambiente. Todos calados, silentes estão. A carapuça assentara nas cabeças dos pecadores.
Em meio ao silêncio, a voz se faz ouvir:
-João, apanhe o seu texto e traga-o a Mim, pois preciso consagrá-lo. Esta será a Sagrada Escritura a ser seguida pela humanidade.
João se aproxima de Deus trazendo timidamente o seu texto nas mãos e vai depositá-lo junto à bola.
E em forma de sussurro, a Divina voz lhe diz:
-João, meu filho amado, você se lembrou de trazer a minha toalha?
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Pequena tradução do diálogo do Pajé com Deus:
- Aicotã erecoçá, Aicaaivat? (Como está passando, Deus?) – indaga o Pajé!
- Aricoçá uaitê i, Pajé! (Não estou passando bem, Pajé!) – ecoa a voz!
- Ereticô avi! Caraiuê fazê Aicaaivat triste? (Não estou entendendo! Homem branco fazê Deus triste?)
Tradução de algumas palavras contidas no idioma indígena usado pelo Pajé:
(Caraiuê=Homem branco) (Nhaá=Mata, Floresta) (Aat=Sol (Uandema=Noite) (Uatê=Lua) (Atipó=Céu) (Ihuadac=Dia) (Aicaaivat/Tupã= Deus dos índios)
(*) Este dialeto do Pajé me fora ditado pelo maué Lourenço (Manuel Lourenço da Silva), residente em Montanha (Tapajós). Este Lourenço é piloto para as cachoeiras vizinhas e, segundo consta, filho ou neto de verdadeiros tuxauas.
Fonte: COUDREAU, Henri. Viagem ao Tapajós. São Paulo/Belo Horizonte: Ed. da USP/Itatiaia, 1977. p. 147-50.
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