UM PACATO CIDADÃO
Introito:
E lá estava ele, como sempre, andando aleatoriamente pelas ruas da sua cidade. De onde viera, ninguém sabe. Sabe-se, contudo, ser ele uma pessoa querida. Era, poder-se-ia dizer, uma pessoa que não cheirava e nem fedia. E esse adágio era usado para se falar sobre alguém que não prejudicava nem ajudava. O verbo feder, no exato sentido da palavra, era correto – ele fedia. Fedia, porque não era useiro do hábito de tomar banho. Tomava, sim, de quando em vez, momento em que uma caridosa alma resolvia – talvez por não mais suportar a catinga que do corpo dele exalava – oferecer-lhe um bom banho!
Mesmo sendo um pacato cidadão, José era alvo dos ataques de alguns moleques que viviam a importuná-lo, com os mais variados apelidos. Fedorento era o hipocorístico apreciado e mais usado pelos execráveis moleques.
O seu nome: José! José de quê? A mim não perguntem, não saberia dizer. Por José era conhecido e isso já era – por demais, diga-se – importante. Mesmo porque esse negócio de nome – pompas e coisas tais – são meras e efêmeras formalidades! Honrar o nome que cada um tem é muito difícil. É bem provável que aquele pobre coitado, a vagar pelas ruas, sem ter para onde ir, sem saber para donde ir, talvez fosse mais honesto que muitos dos portadores de pomposos nomes a ocuparem grandes cargos dilapidando o nosso erário!
Todavia, o nosso louco (Não havia dito que ele era louco? Ops! Desculpem-me, digo-o agora: - Era!) José era – como já disse – querido por todos. Era possuidor de uma fala mansa, falava pouco, mas era uma fala mesclada por alguns princípios, digamos, filosóficos. Coisa de doido, porém muito séria! E como “de médico e de louco todos nós temos um pouco”, José – de louco tinha muito, de médico nada e de filósofo, um pouco!
É dele uma tirada filosófica digna do sapiente Rei Salomão! E essa passagem fora narrada pelo amigo Matozinhos d’Assunção Silva – grande músico, enorme homem, imensurável coração! Com a palavra, pois, o amigo:
-“Era uma manhã de intenso frio. Uma chuva fina caía do céu, parecendo longos fios de uma teia de aranha. Apiedo-me do José. Vejo-o tentando se proteger do gélido vento, se enroscando nos trapos que ao seu corpo cobria. As molhadas vestes se mostravam incapazes na difícil luta de, ao José, proteger. Faço um convite ao José e, juntos, entramos em uma loja brechó onde vejo aquilo que melhor se adequava à situação. Comprei um capote usado, porém ainda bom; uma calça e uma camisa de um tecido adequado ao tempo! Um usado par de sapatos, também, fez parte das compras! Chamei o José e, com o assentimento do dono do brechó, fora lhe dado o direito de um bom banho tomar e se barbear.
Saindo do banheiro, ao José foram oferecidas as novas vestes. Ele troca as velhas pelas “novas usadas”. As antigas? Bem, essas nem o lixo as queriam.
José, agora, está – aparentemente novo – novo em folha! Paguei a conta e convidei o José, para que nos retirássemos! À saída, contudo, algo de inusitado acontece: o dono da loja resolveu, também, ao José presentear. Oferece-lhe um dos encalhados ternos da loja.
-Leve-o José. Guarde-o para usá-lo depois – dissera!
O filosófico José agradece dizendo:
-“Obrigado! Eu não preciso de duas vestes, porque só tenho um corpo. Dê para outro que dele irá fazer um bom uso!”
Matozinhos dá término à sua narrativa. Os olhos brilham banhados pelas lágrimas da emoção que, assolando o peito, chegam-lhe às janelas da face e despencam pelo bondoso rosto daquele enorme homem de pequeno porte!
Epílogo:
O que faz o amigo Matozinhos se lembrar, agora, do José? Pergunto-lhe! À guisa de explicação, diz-me ele:
- De há muito não vejo o José. Perguntei ao dono de uma lanchonete, ponto onde, em todas as manhãs José pegava a sua gratuita média com pão, sem o luxo da deliciosa manteiga:
-Onde tem andado o José? O senhor o tem visto?
-Não! O José está desaparecido. De há muito, ninguém sabe do paradeiro de José.
Dentre os muitos loucos que vagueiam pelo mundo, o José é mais um. E o José – que de louco tinha muito, de médico nada tinha e de filósofo, um pouco, encontra-se sumido, misturado, talvez, entre os muitos loucos que permeiam nos palácios governamentais deste nosso Brasil varonil!
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Imagem: Google