A SEMANA DA CRIANÇA
O jornal de domingo me chega às mãos. E o domingo, vale dizer, era o da semana comum que antecedia ao da Semana da Criança. Noto-o um tanto mais “gordinho”, meio que, digamos, pesadão. O motivo da obesidade era mais que óbvio: os imensos e variados encartes existentes no Caderno Publicitário que incentivavam os pais na compra dos mais modernos brinquedos. Os coloridos encartes mostravam – como sendo brinquedos – os mais avançados celulares, brutais jogos eletrônicos que incentivam a matança em uma guerra de fictícios inimigos e poderosas réplicas de armas de fogo com as mais variadas marcas. Sim! Todos os produtos têm que se apresentar – bem à vista de quem compra, usa e vê – o invejável Made in USA ou China – no mínimo! Resoluto, resolvo que devo folhear o Caderno Publicitário. Nele vejo tudo que a todos interessava. Todos? Ops!... Discordo!
Então – e com base na minha discórdia – embarco na Nave das Minhas Elucubrações. A bordo – e já refestelado na minha poltrona – procurei dentre os “brinquedos” apresentados no Folder Publicitário a figura do Pião, das Bolas de Futebol e de Gude, Pipas de Vareta, Carrinhos de Rolimãs, Carrinhos de plástico que nos incentivam na disputa das imaginárias Corridas de Fórmula Um, as Rodas com Gancho. (Este brinquedo merece explicação: Pegávamos o cabo de vassoura e, na sua extremidade, era amarrado um arame que fosse um pouco mais grosso que os comuns encontrados. Na ponta do arame era feita uma dobra com um ângulo de 45º, em seguida, medíamos um comprimento de uns três dedos para, novamente, formarmos outro ângulo de 45º, só que, desta vez, para direita. Esta operação era repetida e o ângulo, desta feita, seria na vertical. Estava, portanto, feito o cabo do nosso brinquedo, cujo mesmo, se encaixaria em uma roda – geralmente uma velha roda de bicicleta ou velocípede encontrada nos lixões). Brinquedo montado, e lá íamos nós em desembestada correria pilotando a roda que era guiada pelo arame e dirigida por nós.
A saudade bate forte. Recordo que as crianças de então eram criativas – hoje, todavia, nem tanto, não mais! A “criatividade” das crianças de hoje está na ponta dos calejados dedinhos por acionarem os brinquedos eletrônicos de agora. Se, à época, os paupérrimos pais não pudessem comprar um brinquedo, nós o fabricávamos (Estão lembrados da Roda de Gancho?), usando para tal, tudo aquilo que era descartado e jogado pelos mais abastados. Se não podíamos comprar um patinete, os velhos rolamentos – fruto do lixo de uma oficina mecânica – eram utilizados e, anexados a uma tábua, se transformavam no sonhado patinete a rodar pelas ruas esburacadas do bairro.
Ainda nas minhas elucubrações, indaguei-me:
-Onde estão as brincadeiras como as Cantigas de Roda, as Queimadas, o Pular Corda, Petecas, as Amarelinhas e o Pique/esconde? E a brincadeira de Passar o Anel? Sumiram! Todos os sadios brinquedos sumiram!
Balouçando a cabeça, desembarco da Nave das Minhas Elucubrações e retorno à triste realidade! Havia nos Cadernos Publicitários as fotos de belas bolas de futebol, contudo, essas não valem mais como sendo um simples brinquedo de criança. Passaram a ser o fruto da ganância de frustrados pais, querendo se realizar por meio do filho (Às vezes, “um verdadeiro perna de pau!”) o sonho de ser um jogador de futebol que ele, o pai, não chegou a ser, para ganhar o dinheiro que nunca vai ter.
O Caderno escolhido me fez pensar e questionar com os meus botões:
-Por que não se vê mais as crianças brincando brincadeiras de crianças? O que há com os “brinquedos” de hoje, com essa forte tendência de robotização das nossas crianças, transformando-as em zumbis eletrônicos? As crianças de hoje têm a propalada “criatividade” – já dissemos e vale repetir – nas pontas dos dedinhos já calejados por manipularem as parafernálias eletrônicas que lhes são empurradas goela abaixo. Infelizmente, as crianças já estão nascendo adultas e se julgando donas de um mundo desconhecido por elas, por dele nada saberem.
De todas as tristezas sentidas ao reler o Caderno Publicitário, uma deixou indeléveis marcas: Não vi, sequer, uma Boneca. Sim, aquelas bonecas que ensinavam às crianças meninas (À época crianças meninas havia.) a cuidarem dos futuros filhos. Aquelas mesmas bonecas que eram cobaias nos chazinhos de brincadeiras entre as futuras mamães, quando, então, eram “batizadas as filhas bonecas.” Ouso indagar: - Cadê a brincadeira de Passar o Anel? Quando, então, os participantes diziam: -“Guarde o meu anel bem guardadinho!”
Tudo isso, hoje, se acabou. As meninas não mais brincam com as Cantigas de Roda, Passa o Anel e nem com as bonecas – não tiveram tempo. Um grande número de infelizes crianças/meninas – nos seus tenros onze, doze ou treze aninhos, no máximo, já embalam – como sendo boneca brinquedo – um inesperado e não planejado “brinquedo/filho!”
É triste vermos imaturas meninas/crianças – que não tiveram tempo para brincar e serem crianças – serem mães solteiras, soltas por esse mundo cão: Sexualmente cruel! Elas já nascerem adultas transformadas em adúlteras pela canalhice exploradora da prostituição infantil.
Algo pode e deve ser feito para mudar esta rota de colisão na qual se encontram as nossas crianças adultas – adúlteras! O algo que deveria ter sido feito ontem não pode ser deixado para o amanhã. Tem que ser feito agora!
-Culpados existem?
-Sim, existem!
-Mas, quem são eles?
-Eu, tu, ele, nós vós e eles. Todos nós temos a nossa parcela de culpa. E, parodiando o poeta Carlos Drummond de Andrade (Adoro citá-lo!), ouso dizer:
-Brinquedos para crianças? Não há mais, José – e agora?
-Crianças brincando? Não há mais, José – e agora?
-Meninas com bonecas? Há muito poucas, José – e agora?
-Meninas mamães? Há aos montões, José – e agora?
-E agora, José?... E agora, José?... E agora, “Josés”?...
-E agora você?
-E agora?... E agora?... E agora? (...)
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