AS HISTÓRIAS DO VOVÔ BENÍCIO
No momento, estávamos fazendo aquilo do qual mais gostávamos: ouvindo as gostosas narrativas do Vovô Benício. Encontrávamos-nos diante de um fogão à lenha, de onde emanava calor, luminosidade e o estalidar dos crepitantes tições. A luz brilhava nas retinas do meu velho e querido Vovô que, ao colo, trazia um dos muitos gatos que nos rodeavam – ele, à época, criava dezenove! Talvez, fosse aquele o seu preferido – imaginei! Da boca do amado Vovô brotava aquele amealhado de palavras que compunham a história que nos contava. Atentos, estávamos!... Alertas e ávidos, continuávamos curiosos por ouvir o ápice daquela narrativa. E ela – a história narrada – era assim: Com a palavra o Vovô Benício.
-Naquele tempo era tudo mais difícil do que é agora. Não tinha esses mundões de estradas, nem esse amontoado de carros que temos hoje. Era tudo trazido nos lombos dos burros! Na fazenda onde morávamos tudo era comprado pelas mãos dos mascates que passavam por lá, vendendo as bugigangas: tecidos, água-de-cheiro, pentes, espelhos, sapatos. Enfim, vendia-se de tudo – de um tudo, como se dizia!
Na cidade, perto do nosso sítio, tinha um padre que, vez por outra, passava por aquelas bandas, ocasião em que fazia batizados, rezava missas e consagrava os casamentos que estivessem agendados. Ele era gordo, bonachão e, consequentemente, pesadão. O burrico que o carregava, chegava bufando com o peso do padre. Ele, o padre, também bufava, arfava pelo tanto calor que fazia e pelo cansaço da viagem. O povo da vizinhança já o esperava. E ele, parecendo o Nazareno, na curva aparece no seu burrico montado. Foguetes explodem nos ares, ramos são agitados (Devo explicar: era um Domingo de Ramos, daí, a agitação dos vegetais!), gritos de vivas são ouvidos. A comitiva é recebida pelo fazendeiro, que se desmancha em mesuras.
-Viva o Seu Vigário – bradou o dono da fazenda!
-Viva!... Viva!... Viva!... Eufórico, o povo respondia.
Retomando a palavra, o fazendeiro anfitrião exorta o povo a se acomodar, pois o Seu Vigário, agora, vai descansar. Em seguida, anunciou os horários das celebrações e as comemorações que viriam. Encerrou dizendo:
-“O Seu Vigário vai tomar um bom e reconfortante banho, descansar para prosseguirmos com a nossa festa.”
O povo se afasta. O vigário, aliviado e introspectivo, agradece o afastamento. O cansaço, ao que parecia, era maior que a sua fé. E lá foi ele refestelar-se em uma enorme tina com uma gostosa água, cuja temperatura era a ideal para afugentar o calor reinante. A água do banho, antes límpida tépida e cristalina, agora ostentava uma nata de sujeira a boiar em sua superfície. Era a oleosidade que havia saído do corpo do vigário, mesclada à poeira das estradas, acumulada há várias horas.
Vovô para a sua narrativa. No rosto dele se desenhava um maroto sorriso. Estávamos atônitos. A curiosidade, ávida, passeava pelas nossas faces buscando entender como seria o final, o arremate – o ápice da história!
-E aí, Vovô? Com foi a festa com o seu gorducho vigário? – indaguei, movido pela curiosidade peculiar da idade!
-Sabe por que estou rindo, meu neto, meus amiguinhos? E, intercalando fala e riso, completou:
- É que, naquele tempo, a água do banho de um Padre era considerada um “santo remédio” e, por isso mesmo, era guardada a sete chaves, em pequenos frascos e distribuída para ser usada como cura dos diversos males!
-O que é isso, vovô? O povo usava aquela água suja e, ainda a passava no corpo como sendo remédio?
-Não só era usada para fazer massagens nas partes do corpo que estivessem enfermas – dissera, ainda rindo, o Vovô – como, também era bebida! O povo acreditava ser, a água do banho do padre, um santo remédio para todos os males!
Rimos, fazendo coro ao riso incontido do meu saudoso e querido Vovô Benício!
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