A FALÊNCIA DAS ELITES
O egrégio Tribunal estava lotado. Havia gente “saindo pelo ladrão” – termo, esse, muito usado para designar excesso – posto que, naquela fatídica tarde estava sendo julgado um, ainda jovem, senhor. O seu crime: sedução de menor! O burburinho era intenso.
O meirinho adentra o recinto pedindo silêncio, bem como anunciando:
-Todos de pé!
Todos, de pé se põem!
-Sua excelência, o meritíssimo Juiz, se faz presente – anuncia o meirinho!
O togado julgador assenta-se e esse era o sinal para que todos o imitassem! Começam os debates: Acusação X Defesa! O circo estava montado. Era um julgamento pró-forma em um Tribunal de Exceção. Era apenas mais uma dentre as muitas: Farsas Judiciais. Era um jogo de cartas marcadas onde o presumível jargão jurídico da Ampla Defesa e o Contraditório seriam as meras e insofismáveis formalidades que fazem parte do hilário e bufão Espetáculo Circense.
O réu a tudo assiste. Pudesse ele retroceder no tempo, por certo, passaria longe daquela “galinha de menor”. De menor idade? Correto, sim! Contudo, era possuidora de uma maior – bem maior – vivência na ‘arte da sedução e da difícil vida fácil!’ Ela – apesar da tenra idade – era uma mestra na arte que notabilizou as mais famosas Messalinas. Ela – com sua inusitada técnica e conhecimentos – faria corar as mais experientes cortesãs do Reino de Safo. Todavia, aos argutos olhos da lei (Sic!), ela era uma inocente vítima daquele “monstro-réu”.
Os trabalhos jurídicos prosseguem. O sádico sorriso nos lábios acusatórios era notório! A cabeça do réu seria servida na bandeja, assim como fora a de João Batista, pedida pela bailarina Salomé! A defesa não tinha nenhum argumento! Nada poderia ser feito. Ela, defensoria, era na realidade, uma mera formalidade exigida pela lei! Porque diz a lei: - “Todo ser cidadão brasileiro tem direito de se defender e a ter defensor, pago pelo erário público, caso não possa ele, o acusado, arcar com os honorários!”
E a estuprada vítima Salomé – vertendo crocodilianas lágrimas – a tudo assistia! Os seus pais (Herodes e Herodias) também se faziam presentes no Tribunal, quando – na realidade – deveriam ter ‘marcado presenças’ na formação do caráter da filha.
-“Ela era uma garota de muita sorte!” – orgulhosos, diziam! Ela sempre “achava” nas ruas os mais inusitados objetos! “Achava” dinheiro, joias, relógios caríssimos e belos vestidos – tudo “achado” nas ruas! Até um belo carrão zero Km, fora, por ela, – e para a alegria dos “zelosos” e felizardos “pais” – “achado” na rua!
-“Certa vez ela achou um belo e caríssimo carro” – completou o eufórico pai! Contudo, a procedência de tantos achados nunca fora questionada! E a “inocente” menina continuou com a sua imensurável sorte: “achando” tudo e “tudo dando” em troca dos “achados”!
Os seus tenros quatorze anos já lhe granjeavam o hipocorístico de Franga da Hora! Franga por ser, ainda, nova. Contudo já era uma “inocente” galinha com mais hora de cama e de mato do que urubu de voo! Todavia, aos olhos da parva sociedade, ela – a Franga da Hora – era uma “inocente vítima da sociedade e de um tarado estuprador de menores inocentes!”
Os trabalhos forenses estavam chegando ao ápice... ao seu inevitável e previsível final. O réu, colocando a cabeça na guilhotina, aguarda a esperada sentença. E ela vem inexorável e forte: condenação com uma pena máxima. Os aplausos repercutem pela plateia. Os gritos de “vivas” se fazem ouvir. E todos – com olhos rútilos e lábios trêmulos – exultam, deliram.
Toc, toc, toc – era o bater do martelo da (In)justiça acionado pela Douta mão da lei pedindo e ordenando: - “Silêncio”!... e o pedido silêncio se faz presente. Solenemente, o jovem Magistrado, que parecia ter no máximo, uns trinta e poucos anos – talvez, nem tantos – anuncia o encerramento dos trabalhos.
O eufórico público – por ver que a “justiça” fora feita – sorridente se vai! A defesa, educadamente, cumprimenta a acusação e se despede. O réu, já de pé entre os que o escoltavam, recebe do defensor uma palavra amiga e as desculpas – desnecessárias, diga-se – por nada ter podido fazer pela sua defesa. A lei é madrasta e hipócrita – dissera, demonstrando a sua insatisfação com as normas!
O recinto está vazio. O preso já se encontra encarcerado pela força da lei.
Epílogo:
Passa célere, o tempo! A noite está convidativa para o amor! A lua passeia pelo límpido céu! Um belo carro vagueia pela noite. Ao volante um homem está. Ao seu lado uma jovem mulher o cobre de beijos, apalpa-o e – com invejável maestria – acaricia e beija a sua genitália levando o varão à loucura! O ávido casal adentra o caríssimo motel. A mortiça luz impede que a recepcionista identifique os seus ocupantes! Ela, todavia, indaga:
- “A garota é ‘de menor’?”
- “Não! Imagina! Pode ficar tranquila!”... responde o ávido varão!
A recepcionista indica-lhe o caminho a ser percorrido – não precisava, era por demais conhecido pelo motorista – e o apartamento a ser ocupado!
- “Cuide para que tenhamos o melhor dos vinhos”, – dissera à recepcionista!
- Já está a caminho! Quando o senhor chegar aos aposentos, o vosso melhor champanhe estará vos aguardando!
- “Obrigado!”... agradece o varão!
O carro para por alguns minutos na garagem, tempo suficiente para uns ardentes beijos, e sôfregos agarramentos. Sai o casal do carro e adentram os aposentos. A mortiça luz é acesa. Pelo enorme espelho vê-se refletida a figura da jovem. Era a “de menor” e inocente Franga da Hora. E ela, languidamente, entre lúbricos e sensuais sorrisos, pede:
- Senhor Juiz, por favor, sirva-me o Champanhe – sirva-me!
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“É quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civilização!” (Sigmund Freud, 1856-1939)
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