MEU PEQUENO E LINDO ANJO LOIRO
Parte I – A Chegada do Meu Pequeno e Lindo Anjo Loiro:
A noite do dia 11 de junho de 1983 parecia ser diferente. A senhora Lígia dissera-me de forma enfática:
- Benhê, estou sentindo fortes contrações! Penso que, desta noite, não passa. A nossa pequerrucha baby está dando sinais de que vai dar as caras!
Aflito, corro ao já preparado quarto do bebê, pego a mala e deixo a cuia – ela não se fazia necessária – e desço célere para a garagem em direção ao carro, onde coloco a bagagem. Volto ao apartamento, a minha esposa se encontrava junto com uma vizinha que viera dar aquele apoio tão necessário, em momento como o vivenciado.
-Você poderia cuidar da minha filhinha Euliana até a minha volta?
-Claro, amiga! Fique tranquila! Aqui, tudo vai ficar sob o total controle! – dissera a dileta amiga vizinha!
Ajudo a futura mamãe a descer os dois lances da escada que nos daria acesso à garagem. As dores sentidas e as emoções incontidas levaram-me a pensar que estávamos no último andar do Empire State Building. Enfim, à garagem chegamos. Abro a porta do carro e – sob os fortes e incontidos gemidos da futura Mamãe – nele adentramos. Dou a partida no carro e parto para os trabalhos do parto da parturiente e futura mamãe! Em velocidade célere, entro na Avenida Minas Gerais – onde, no seu final, residíamos! Esta é a artéria principal da Cidade de Governador Valadares – a capital do Vale do Rio Doce. Esta avenida tem – seccionando-a em pleno coração da cidade – uma aorta coronária – a via férrea Vitória-Minas da Cia. Vale do Rio Doce. É por esta via que Minas via (E ainda vê!) os seus minérios se esvaírem e os imensuráveis buracos ficando.
E fora nesta passagem de nível que o inesperado viera à tona, quase na hora em que deveríamos cruzá-la: O Trem de Minério – o maior Trem de Minério do mundo – teve uma pane. Paro o carro na esperança de que a pane não viesse a causar-me uma pane à minha mente. A minha Baby estava apressada para ver a luz do mundo... a esposa, em desespero, gemia pelas dores sentidas. A pane parecia inevitável.
-Querido, temos que dar um jeito de sairmos daqui. O nosso bebê está quase nascendo aqui mesmo, dentro do carro!
-Se segura, amor, o quanto possível for – dissera! Não há como sairmos desta. Aguenta as pontas e a barra porque “a coisa está preta!”
Senti-me apavorado! Tento retornar – desisto! À minha retaguarda, outros aflitos motoristas se encontravam – não poderia retroceder. Estava ilhado. Era um Robson Crusoé (Sem o seu escravo índio Sexta-feira e sem, sequer, um radinho de pilha – diria Nelson Rodrigues!).
Não sei por quanto tempo permanecemos ali. Fazer o quê? Esperar era a solução. Esperei e, dos céus, ela veio. Enfim, pane resolvida, via liberada!
A distância que no separava da Maternidade São Lucas era curta. Enfim e aflitos, lá chegamos “em cima da hora”! Desembarcamos sob os cuidados de uma enfermeira que já se apresentava com uma cadeira de rodas para levar a futura Mamãe para os devidos atendimentos.
No corredor, ficou o marinheiro – agora de segunda viagem – aflito por saber o resultado, se estava tudo bem com a Mamãe e a Baby recém-nascida.
O médico sai da sala de parto e parto eu ao seu encalço.
-Doutor... é... bem ... como está tudo lá? – aflito indago!
-Fica tranquilo, marinheiro! Meus parabéns! Você é o mais novo papai de uma linda bonequinha loira.
-Doutor, po... pos... posso vê-las, Doutor – posso?
-Não! Você tem toda a vida pela frente para curti-las. Ok? Agora tenho um compromisso na minha igreja e quero lhe pedir um favor: As enfermeiras estão fazendo os últimos preparativos do pós-parto. Enquanto isso, você me leva até a igreja.
Assenti e fui levá-lo. Fui num ‘vapt’ sem a necessidade do ‘vupt’! Fui num piscar d’olhos – ‘um pé lá e outro cá’ – e já estava de volta. Parei em frente ao berçário. Amassei a minha risonha cara no vitral que impedia que eu tocasse, acariciasse, abraçasse e beijasse – como era o meu desejo – o Meu Pequeno e Lindo Anjo Loiro!
Fora esse o meu primeiro – e impedido, isso graças ao intrometido vitral – contato com o meu Lindo Anjo Loiro.
Parte II – A volta ao aconchego:
Enfim, pude adentrar ao apartamento ocupado pela Mamãe. Com um abraço e beijo, cumprimentei-a ao mesmo tempo em que lhe perguntava.
- E a nossa Baby, onde está?
- A enfermeira está ultimando todos os procedimentos e, logo, logo, ela a trará para a primeira refeição. Dissera-me entre risos a nova e alegre Mamãe!
Como se tivesse adivinhado a ansiedade e pressa por ver a minha filhinha, a enfermeira adentra o apartamento trazendo, com esmerado cuidado, a minha pimpolhinha. Com um sorriso maior que a própria cara trouxe-a ao meu colo a minha pequerrucha e angelical loirinha. Entre risos, acariciei as suas rosadas bochechinhas. Ela pareceu gostar da carícia e – até juro, pode crer – via-a esboçando algo que a mim pareceu um lindo sorriso. Comentei com a esposa:
-Ela está sorrindo! A danadinha está sorrindo – veja!
-A mamãe sorriu! Mais, talvez, pela minha bobeira de marujo babão de segunda viagem!
Tudo resolvido. Bagagem já no carro, agora, era a hora de agradecermos às profissionais da saúde que tão bem cuidaram dos meus tesouros. Feitos os agradecimentos, nos dirigimos ao carro e rumamos para o nosso home sweet home! Em lá chegando, recebemos a amiga vizinha que trazia ao colo a pequena Euliana. Ambas – vizinha e filha – estavam aflitas por conhecerem a nova moradora do condomínio. E entre abraços, beijos e votos de parabéns, adentramos o nosso apartamento e passamos à Sessão Coruja, extasiados que estávamos pela tamanha beleza da nossa filhotinha que – e a tudo alheia – dormia o soninho dos justos. Ela, imaginamos, estava cansadinha pela dura e difícil batalha que acabara de disputar: a luta para chegar ao nosso mundo!
O célere passar do tempo:
Desde o nascimento, já se passaram dois anos e alguns meses. Os loiros e encantadores cabelos do meu Anjo Loiro, agora, se encontravam já bastante cacheados e à altura dos ombros.
Ela acabara de chegar da Escolinha. Trazia o meu Anjo Loiro a cara toda maquiada em forma de uma gatinha. Aquilo fora motivo de calorosos aplausos, pela alegria demonstrada por um sorrisinho que ela trazia na face. Estava linda a minha gatinha.
-Já para o banho, meninas – ordenara a Chefona entre risos!
-Pai!... Vem dar o banho na gente, vem!
Não havendo contestação – mesmo porque adorava dar banho nelas – fui para o “sacrifício”! Fomos os três – agora, cantarolando – adentrar na Niágara ducha quente. Ensaboados, estávamos! Ensaboados, cantarolávamos e, agora – sob os protestos da Chefona – fomos obrigados a desligar a Niágara e deixar a farra do banho para outra ocasião mais propícia! O almoço nos esperava e o cheiro da surpresa preparada pela Mamãe Chefe denunciava que era algo bem gostosinho.
Agora, já assentados à mesa, vimos chegar os componentes da refeição. O feijão, cuja receita do preparo fora ensinado pela amiga vizinha, era um dos carros/chefe dentre os pratos, seguido pelo arroz à grega, salada fria e o dono do cheiro que fazia ascender o desespero do famélico leão estomacal: sua excelência o rocambole.
A maninha Euliana olhou com desconfiança para a novidade e perguntou:
-Mamãe... o que é isso?
-É o rocambole, minha filha!
-Eu não gosto disso, não! – dissera a desconfiada e lindinha Euliana.
-Filha, você conhece ou já comeu rocambole? – perguntei-a!
-Não, pai! – respondera-me ela!
Peguei, então, a faca e me servi de um bom pedaço do rocambole. Ato seguinte, cortei um pequeno pedaço e ofereci-o à desconfiada, enquanto dizia:
-Prove-o! Você só pode dizer se gosta – ou não, de algo – depois que o provar. Prove-o! Se não gostar... tudo bem... não o coma!
Aceitando o argumento, aceitou provar, provou, gostou e repetiu a dose. E isso fora motivo de provocar o riso durante todo o desenrolar do delicioso e esperado almoço.
-“A lindinha está comendo”... – esta era a letra da música que, entre risos, fora cantada pelo Coral dos Comilões!
Durante a refeição o meu Anjo Loiro diz:
-Pai eu quelo ir ao banheilo!
-Pode ir, filha – respondi-a e continuamos a nossa refeição. De repente ouço o meu Anjo Loiro gritar:
-Pai!... Já telminei!
-O seu pai está terminando de almoçar. Eu estou indo para limpar você!
-Não!... Eu quelo é o meu pai!
Levanto-me da mesa, passo um guardanapo na boca e vou atender ao chamado. Com esmero, retiro-a do trono, uso o papel higiênico e coloco-a no lavatório. A água fria provoca-lhe uma crise de risos incontidos. Já estando com o bumbunzinho lavado, enxugo-a e termino de vestir-lhe a roupinha para retornarmos à mesa.
-Pai eu quelo ir de cavalinho! – pede-me o meu Anjo que tem – claro não há como negar – o pedido atendido! Ela escanchou as perninhas em meu pescoço, abraçou a minha cabeça enquanto eu a segurava pelos pezinhos. Cavalinho arriado e lá vamos nós a galopar pelo corredor até chegarmos à mesa. Do cavalinho a sorridente amazona é retirada da sela para, novamente, tomar assento à mesa.
Terminado o almoço... escovação dos dentinhos... e lá fomos nós para a sala onde assistiríamos a programação da televisão. Zapeei alguns canais – e por nada de atrativo encontrar – coloquei um CD Play para tocar algumas das minhas músicas preferidas.
-Vamos dançar papai! – o convite/ordem viera do meu Anjo Loiro!
Fiquei de pé, fiz uma cavalheiresca reverência, peguei a sua mãozinha e a trouxe para o meio da sala.
Nas minhas elucubrações, a sala já não era uma sala qualquer. Era a sala principal do teatro Scala de Milão. Eu não era um astro qualquer. Era o Altamirosvhisk Baryshnikov com a sua fenomenal partner Pollyana Botafogo. Meu Anjo Loiro sobe nos meus pés. Com seu bracinho esquerdo se atraca à minha perna direita e me oferece a mãozinha direita que, sofregamente, seguro-a. A minha mão direita – pousada à altura do seu ombrinho – comprime o seu corpinho junto às minhas pernas. A música segue... bailando seguimos nós. Sobre os meus pés ela dançava e ria... ria e dançava – felizes estávamos!
A música termina. E sob os aplausos da numerosa plateia (Mãe e irmã que “lotavam” o Teatro Scala de Milão.) sentimos que era chegada a hora de sairmos de cena. Então – juntos e exaustos – nos derreamos, entre risos, no sofá. Altamirosvhisk Baryshnikov e sua partner Pollyana Botafogo precisavam de um merecido e esperado descanso.
Parte III – A cabana de edredom:
O tão sonhado e merecido descanso pouco durou. O meu irrequieto e adorável Anjo Loiro já tinha em mente uma nova brincadeira e anunciou-a:
-Pai, vamos brincar de Cabaninha, vamos?
-Vamos sim, filhinha, vamos!
Não havia como dizer não. Por maior que fosse o cansaço, a negativa seria impossível. A candura da amada filha era algo que superava a quaisquer das tentativas de negar-lhe um pedido. Mas devo dizer que a Cabaninha era o nosso brinquedo preferido.
Resolutos, para a cama fomos e, lá, armamos a nossa Cabana. Posto-me deitado e puxo o edredom até que o mesmo fique preso sob a minha cabeça. Em seguida encolho as minhas pernas – elas seriam os suportes do edredom! Ao meu lado direito está a mais velha das minhas filhas – a lindinha Euliana e, à minha esquerda, o meu Anjo Loiro. (Abro um parêntese para dizer que a Pollyana tinha um pequeno problema de dislalia – sendo isso o fruto da sua tenra idade, já notado no seu gostoso modo de falar mostrado no texto em epígrafe. Era algo assim – igual ao personagem do Maurício de Sousa, o Cebolinha – ela trocava o R pelo L. Esta lembrança se faz necessário, porque faz parte da narrativa que segue.).
A Cabaninha estava armada. Restava, agora, a escolha da atração.
-Vamos cantar! – dissera ordenando o meu Anjo Loiro.
-Vamos! – entre gritinhos e risos aplaudira a linda irmãzinha Euliana!
Por não ter como contestar – e por já ser voto vencido – o meu grito de ‘vamos’ fechou a urna de votação. Restava, no momento, escolher qual música seria cantada. O meu Anjo Loiro – devo esclarecer – é possuidora de uma verve musical de inegável qualidade. A Mãe é cantora lírica. O pai era, à época, o Regente da Banda de Música do Batalhão onde servia. A música, portanto, sempre fez parte do DNA que a leva ser tão afinada. Testando à toa sua musicalidade – enquanto cantávamos – eu fazia uma modulação tonal. O resultado era sempre o mesmo: ela modulava junto comigo sem, ao menos, pestanejar ou mesmo semitonar. Satisfeito, o Pai Coruja era só risos!
À época, o cantor Wando estava no auge. Uma das suas músicas tinha a preferência do meu Anjo Loiro, cuja letra tinha um refrão que era o xodó da galera. Escolho a tonalidade e inicio a cantoria, no que sou seguido pelas back vocal: O amor, quando se vai./ Deixa a marca da paixão. (...). Logo a seguir chega-se ao refrão. E é nesta parte que a dislalia do meu Anjo Loiro se faz presente. A letra do refrão diz: Chora coração./ Passarinho na gaiola, feito gente na prisão! Quando chegávamos nesta parte, eu e a maninha Euliana parávamos de cantar – somente a Pollyana cantava! E a sua dislalia era o tom da alegria reinante dentro da Cabaninha pela alteração que ela dava à letra da música. A letra, sob os nossos risos, era entoada assim: Choolaaa colação... Hei, hei, hei, hei.. / Chooolaaa... colação./ Passalinho na gaiola./ Feito gente na plisão!
O riso era geral. Riam as filhas... ressoria o Corujão... aplaudiam-nos todos onde “os todos” eram todos nós!
Epílogo: Parte IV – O Fim da Infância:
O tempo, inexorável tempo, passa ligeiro. O meu inesquecível Anjo Loiro deixou de ser criança. Construiu o próprio lar. Gerou nova Falange de Anjos Celestiais e fez, juntamente com eles, as Cabaninhas nas quais cantam, riem e – entre si mesmos – aplaudem as suas atuações como antes fazíamos nós!
A idade promovera a correção da dislalia. O coraçãozinho do meu Anjo Loiro já não ‘chola’ mais. Mas o saudoso coração do aPAIxonado continua por todo o tempo cholando de saudades do Meu Pequeno e Lindo Anjo Loiro!
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Nota do autor:
À minha adorável filhinha Pollyana Horta Pires – o meu amado e inesquecível Anjo Loiro – quero dedicar esta modesta narrativa, fruto de um grande e imensurável amor que o aPAIxonado sente por você! Beijões e bênçãos, minha lindinha!
Imagem: Arquivo familiar