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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos

DEUS, ZÉ TÁ AQUI!...
 
Por maiores ou menores que possam ser as cidades, em todas elas eles se fazem presentes. Nas pequenas, então, são alvos de apelidos, gozações e todas as formas capazes de fazê-los perder o bom senso e – como se algum dia as tivessem – as estribeiras!

Mas, retrocedamos no tempo para, então, indagarmos: - Quem são eles? São os loucos! Sim! Eles estão presentes em todas as cidades – pequenas, médias, grandes ou megalópoles – a dar-nos ‘o ar das suas graças!’

Vale dizer: - Psiquiatras de plantão havia de montão! Poder-se-ia dizer que existiam mais “psiquiatras” que loucos propriamente ditos. Isso, porque, os loucos eram facilmente identificados, levando os deuses da Psicanálise, Freud e Lacan, a ‘diagnosticar’ os ‘tantãs’, os ‘giras’ (nas gírias de então) – como assim eram chamados aqueles que ‘não batiam bem da bola’ – ao serem vistos passando, passeando pelas ruas das cidades. O primeiro dos “exames comprobatórios do estado de loucura” se estribava no fato de se ver o ‘tantã’ gesticulando e falando sozinho, indiferente aos demais passantes. Hoje, todavia, se fossemos nos estribar neste quesito de ‘se falar sozinhos, para diagnosticarmos os loucos’ – loucos, por certo, ficaríamos! Graças ao advento da tecnologia, o telefone celular transformou-nos em tontos ‘tantãs’ – um bando de loucos.

Recordo-me que, certo dia, andando pelas ruas da minha querida Belo Horizonte, ouvi um alarido mesclado a algumas risadas. Era um amontoado de jovens que, sem interagirem e grudados aos seus celulares, falavam, gesticulavam e riam daquilo que ouviam – uma piada ou uma fofoca, talvez!

Fiquei imaginando que, em tempos idos, eles receberiam dos ‘psiquiatras de plantão’ o “diagnóstico” que os classificariam como ‘loucos varridos!’ Hoje, diferente é: loucos não são (Tolos? Talvez!), muito menos, varridos não serão!

Belo Horizonte não é uma exceção à regra no quesito de possuir, dentre os seus milhões de habitantes, uns “tantãs” de plantão a nos provocar penas e risos. Há, todavia, um em especial: o José! Nas minhas elucubrações imagino ser José o seu nome, devido ao fato de todos o chamarem pelo hipocorístico Zé. Ele próprio, se lhe perguntarem o nome completo, soltará um sonoro Zé, nunca o imaginado e pomposo José de tal! Por Zé é conhecido e por Zé é chamado. Era, portanto, mais um José, cujo sobrenome nunca soube e nós nunca saberemos. Por Zé, é sempre chamado, e por Zé será sempre tratado, lembrado.

O Zé vivia pelas ruas recebendo alguns trocados dos passantes que, às vezes, com ele batiam um papinho. O Zé era amigável e possuidor de uma religiosidade ímpar, singular. Sempre era visto nas igrejas se persignando, orando, demonstrando uma fidelidade canina ao seu e ao nosso Deus. Estando aberta a igreja, ele adentrava-a, parava frente ao altar, olhava os Santos em seus nichos. Ato seguinte, ele se persignava, ajoelhava-se, benzia-se, orava e, em voz alta dizia: -“Deus, Zé tá aqui!” Ato seguinte, Zé, respeitosamente, dava, de costas, três passos à retaguarda, curvava a cabeça, benzia-se, virava-se de frente para a saída e se retirava da igreja sob os atônitos olhares daqueles que, pela primeira vez o viam fazer aquilo.

Isso, para muitos, parecia ser uma – ou mais uma, diga-se – ‘maluquice’ do Zé! Seria? Tenho as minhas dúvidas e, nas minhas elucubrações ouso dizer:
-Será que o Zé – naquele momento somente dele e do Nosso Deus – não estaria atento a uma chamada, idêntica àquelas feitas pelos mestres antes das aulas iniciarem, e que ele, o Zé, seria o único dentre todos os presentes, que tivesse o dom divino de ouvir ao chamamento do Senhor para mais um encontro com Ele? E, ao ouvir o Senhor Deus fazendo a chamada e dizendo o seu nome, Zé – de imediato – responde ao Divino Mestre: -“Deus, Zé tá aqui!”
 

Elucubrações à parte – e parodiando Shakespeare – digo que: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia!” E há mais, muito mais – creiam!

O tempo passa! De repente – sem mais nem menos ­– Zé desapareceu.

–Onde estará o Zé? Perguntavam aqueles que o conheciam e acostumados a dar-lhe o sustento diário sob a forma de esmolas. Ninguém sabia do destino tomado pelo Zé, mas todos sentiam a sua falta nas igrejas ou mesmo pelas ruas da cidade, local onde ele perambulava, era encontrado e muito querido.

Passado algum tempo, alguém dá a triste notícia: - O Zé fora atropelado e se encontra internado em um Hospital Público.

Dá para imaginar o sofrimento do Zé, e os maus tratamentos oriundos pela falta dos recursos públicos que, a ele, pudessem dar um tratamento digno, humano. Todo o erário fora destinado às “cuecas” de corruptos políticos desta nossa nação brasileira. Mas isso, agora, não vem ao caso. O Zé era, e é, o mais importante no momento.

Ele (Coitadinho do pobre Zé!) está deitado numa maca em um corredor hospitalar – nem cama, ou quartos, havia para receber o infeliz José – o nosso querido Zé!

Do seu braço uma enfermeira acabara de retirar uma agulha, há pouco usada na aplicação de uma solução que não solucionou os seus problemas, seus males, mas mitigara suas dores.

Zé tem a mente confusa. Nos olhos há uma névoa que lhe tolhe a visão, turvando-a! O corpo sofrido que – sempre só vivera – agora, se encontrava, também só, estiolado na insipidez de uma tosca maca rente ao chão de um desumano corredor hospitalar.

Zé já não sente mais nada. O corpo se retesa – é o final! As vozes dos passantes, dos médicos e dos enfermeiros já não lhe chegam aos tímpanos. Todavia, Zé ouve uma voz celestial confortando-o ao dizer-lhe:
- Zé, Eu estou aqui! Venha comigo para casa do nosso Pai! – dissera-lhe Jesus!
                               
- Deus, Zé, tá aqui!
 
 
 
 
 
 
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 30/08/2020
Alterado em 30/08/2020
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