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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos
OVO
                                  
O meu carro ia valentemente devorando a estrada. No seu bojo levava a mim, minhas saudades das praias cariocas – e das cariocas, claro! A paisagem passava célere, ligeira. A igreja da Penha e a Avenida Brasil estavam ficando para trás. O sol bocejante, preguiçosamente, refestelava-se por detrás das cacundas e verdejantes colinas, tingindo o céu de um indescritível matiz capaz de corar de inveja a Da Vinci. A noite se avizinhava e o seu negro véu ordenava-me: - Acenda os faróis!
Manda quem pode, obedece que tem juízo! Obediente... obedeci!

O horizonte esmaecia em prenúncio ao anoitecer. Prossegui fazendo meu carro avançar noite adentro – estrada afora.

No céu, passeava uma enorme lua espargindo seus argênteos raios a desvirginarem a escuridão. A estrada era devorada pelo meu faminto Vectra 2.0 – orgulhava-me dele! O perímetro urbano vai se escasseando. Carros passam por mim. Outros são por mim ultrapassados. Guinei a direção para a direita e estacionei no acostamento. Satisfiz a uma necessidade fisiológica e fiquei estático – como se parvo fosse – a admirar o espetáculo apresentado pela mãe natureza. O ar puro, a beleza da noite, o poético gorjeio das aves noturnas e o frescor da brisa que amena soprava, eram motivos – por demais irresistíveis – para ali ficar extasiado.

O bailado vadio dos noctívagos pirilampos em meio à folhagem, fazia-os parecerem saltimbancos voadores a esvoaçarem – leves e suavemente – envoltos pela aragem noturna que nos envolvia. Vejo a lua disputando com as estrelas os meus mais efusivos e calorosos aplausos pelo noctívago e milenar espetáculo que apresentavam.

Retorno saudoso ao meu carro. As saudades sentidas eram oriundas do espetáculo que, infelizmente, era obrigado a deixar sem assistir ao seu ápice – lamentava, confesso! Enceto nova etapa da viagem. Ligo o carro e sintonizo-o numa emissora onde sabia estar no ar o bom programa do “Paulo Giovanni Show”. Era um programa de estúdio. Contudo, recebia os espectadores para um “bate papo informal”, do qual se aproveitavam os mesmos para mandar recados aos parentes distantes – geralmente nordestinos – e a todos os ouvintes dispersos por esse imenso Brasil. Uma música suave, inebriante e atual, inundou o interior do meu carro e reacenderam as saudades do amor de marinheiro que pulsava no meu coração.

Lá fora, a lua continuava o seu passeio milenar onde a tudo iluminava e a todos encantava. Terminada a música, são ouvidos os aplausos que vêm do auditório. Ato seguinte, o apresentador chama um dos presentes para que ele possa, também, mandar o seu recado para a distante terrinha. Atendendo ao apelo do animador, o espectador se apresenta esbaforido. O apresentador o cumprimenta:
-“Boa noite gente boa!”...
-“Boa, sô!” – respondeu o trêfego espectador!
-“E ai?... como é seu nome, companheiro?”
-“Bão... meu é João, né?”
-“Beleza pura irmão, e de onde você é João?”
-“Sou de “Tioflotoni”, sô!”

Peço – não a devida – mas, toda a vênia possível e imaginária aos meus leitores, para apresentar dois pontos distintos, a saber:
Informar-lhes que o João quis dizer que era de Teófilo Otoni-MG – minha encantadora terra natal;Bem como, esclarecer o porquê da minha reação. Por ser da boa terra, exultei: – Epa! Epa! Epa!.. Um conterrâneo meu neste programa? Vou aumentar o volume para melhor ouvi-lo – pensei com os meus botões!
 
Vênia concedida e explicações dadas, voltemos, pois, ao diálogo entre o meu conterrâneo e o apresentar Paulo Giovanni!
-“Em qual estado brasileiro fica a sua cidade, amigão?”
-“Fica lá ni Minas... Minas Gerais, uai!”
-“Ele é mineiro, minha gente!”... brincou o apresentador! E completando a brincadeira, solicitou da plateia uma salva de palmas para a minha adorada Minas Gerais e um abraço ao povo mineiro.

Apesar da distância, ri e agradeci a homenagem prestada à minha querida Teófilo Otoni e ao meu amado estado natal. Pela algazarra ouvida, imaginei: o auditório virou uma verdadeira mulher do Zorro – “uma Zorra!” Os “uais” de gozação se ecoaram pelo ambiente e – por meio das ondas hertzianas – se espargiram por todo o Brasil inundando o interior do meu carro.  

O apresentador prossegue com a entrevista, desta feita perguntando:
-“João você ouve – lá, em Teófilo Otoni – o meu programa?”
O João (Oh!... tadinho do João!) fez desaparecer as estrelas, a beleza da noite. Fez escafeder o ar puro, o poético gorjeio das aves noturnas, o frescor da brisa que, amena, soprava. Fez desaparecer o bailado esvoaçante dos pirilampos saltimbancos e a poesia aconchegante do passeio noturno da lua com o seu argênteo e embriagador luar, ao responder enfático, peremptório:
-“Ovo uai!”

O “Ovo, uai!” – proferido pelo João – fora alvo de histéricos ataques de risos do apresentador e do auditório!

Devo confessar que não ri da infelicidade do João. Mas, lamentei os sofridos ataques, bem como, as brincadeiras às quais o João ficou exposto!
 
Adendo:
 
Recentemente o Governador de Minas Gerais em uma entrevista on-line concedida ao CANAL CNN de Televisão à jornalista Monalisa Perrone, soltou esta pérola ao responder uma pergunta formulada:
Jornalista:
-“O Sr. Governador está me ouvindo bem?”
Governador:
-“Ovo Sim!... Ovo muito bem!”

Essa gafe do nosso Governador “quebrou a Internet”, vazou por todo o Brasil e o mundo inteiro se inteirou da tão hilária gafe governamental.

Portanto, chega-se à óbvia conclusão que:
Se a gafe do incauto João fez desaparecer as estrelas, a beleza da noite. Fez escafeder o ar puro, o poético gorjeio das aves noturnas, o frescor da brisa que, amena, soprava. Fez desaparecer o bailado esvoaçante dos pirilampos saltimbancos e a poesia aconchegante do passeio noturno da lua com o seu argênteo e embriagador luar, ao responder enfático, peremptório: -“Ovo uai!”

O “ovo” do Governador é bem pior e maior que o “ovo” do incauto João – conterrâneo da minha querida cidade de Teófilo Otoni, uai!
 Texto: Altamiro Fernandes da Cruz
Imagem: Google

 
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 14/08/2020
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