PERDÃO, BEIJA-FLORES
Acabara de assentar-me no sofá da minha sala de estar. Ligo a televisão. Ato contínuo, o farfalhar das asas de um pássaro se faz ouvir. Era um Beija-flor que – ávido por um lanchinho – buscava, dentre as plantas ornamentais da minha sala, o néctar de uma flor para saciar-se.
Os pios ocelos do lepidóptero sensibilizaram-me. A sua fome não seria saciada. As flores? – não havia flores! E os Néctares? – também não! Os homens maus haviam destruído o seu habitat natural, bem como, quase todos os seus meios de sobrevivência, fazendo-o buscar abrigo nas urbes.
Aborrecido, baloucei a cabeça. Queria – e precisava – dar uma descarga na minha consciência. Sentia-me culpado pelo hediondo erro da omissão – fui sim omisso, confesso! Nada fiz para salvar o Éden Habitat dos indefesos beija-flores, bem como, dos demais animais que, ali viviam e que dele dependiam – assim como o próprio predador: o eu bicho-homem!
Vou salvar-lhe, beija-flor – pensei! Pensei e esbocei um ‘plano de ação’, cujo mesmo se resumia na compra de um recipiente próprio para sustentar o faminto lepidóptero.
Dia seguinte, dirijo-me a uma loja especializada nos itens necessários para salvar o beija-flor. Precisava de umas ‘coisinhas simples’: um recipiente adornado com utópicas flores plásticas de onde há a saída do precioso líquido – água adocicada – que alimentaria o meu beija-flor. Preparado, pensei: - Chegando à minha casa, colocarei uma dosagem de fresca água com açúcar para o deleite do beija-flor. Só, então me dei conta de que não tinha açúcar. Faço uso de (Arg!) adoçantes artificiais e, claro está, o beija-flor não é um idiota para tomar estas invencionices tolas – venenos, verdadeiras porcarias!
Assim pensando, mudei de ideia. Comprei um pacote contendo 01kg de açúcar e, agora, municiado, fui para casa. Em lá chegando, montei o Éden Beija-flor para que o meu amiguinho, despreocupadamente, pudesse, nele, se alimentar – banquetear-se! Éden montado e – na espera dele – uma guarda cerrada fora montada!
Não demorou muito e ouvi o farfalhar das asinhas do meu amigo lepidóptero. Ele, esvoaçando em torno do recipiente, pareceu-me que sorria – juro que o vi sorrindo! Não mais eram pios e esfaimados os seus ocelos – eram, e expressavam alegrias incontidas. Ele se alimentou e, célere, encetou uma viagem de volta ao seu ninho. Não demorou muito e, novamente, estava ele de volta. Todavia, não estava só. Viera como guia. Com ele chegaram a sua companheira – imagino eu – e uma plêiade de outros tantos Beija-flores (filhos, talvez) ávidos por alimentos que, agora, eram fartos e gratuitos como, antes, eram no seu Éden Natural.
Desliguei a televisão. O saudoso espetáculo do farfalhar das asas dos pequeninos pássaros, os seus alegres pios eram, na realidade, mais lindos que as histórias fantasiosas contadas pela televisão.
Os seus alegres gorjeios extasiaram-me, e me levaram ao embarque nas Asas das Minhas Elucubrações. E nelas, pude visitar o meu passado de uma infância onde o Éden dos Beija-flores e dos demais pássaros ainda não havia sido depredado em tão grande escala como agora o é.
Volvo à minha sala! Lá, ainda, os Beija-flores alegres se empanturravam no lanchinho da tarde. Já estando de papinhos cheios, deram uns voos – imagino que, de agradecimento – e se despediram de mim. Novamente a minha imaginação adentrou em cena e fez-me indagar aos meus botões:
-Por que agradecer-me, queridos amiguinhos? Sou eu quem os agradece pela linda tarde que vocês a mim proporcionaram com o farfalhar das suas lépidas asinhas, suas “brigas pela demarcação de território”, os seus maviosos gorjeios, bem como, os seus graciosos voos pela minha sala, enfeitando-a!
Se, antes, lhes pedi o perdão por ser um dos predadores que aos seus habitats destruiu, agora quero lhes agradecer por considerar-me como sendo um amigo e pelo prazer que tenho por estar cuidando de vocês.
A vocês – diletos amiguinhos – quero substituir o pedido de perdão para lhes dizer:
- Obrigado, amigos Beija-flores!
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Texto: Altamiro Fernandes da Cruz
Imagem: Google