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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos


 
A PRAÇA DA LIBERDADE
 
A Praça da Liberdade está localizada em uma das mais nobres áreas da cidade de Belo Horizonte, a Capital das Alterosas. Linda, muito bem cuidada, ela é motivo de orgulho para todos os mineiros e deleite para os que a visitam. A Praça da Liberdade é apenas um dos muitos motivos que fazem o mineiro orgulhosamente dizer: - Se quiseres um belo horizonte ver, venha Belo Horizonte conhecer!

E é nessa linda Praça que, diariamente, se reúnem os adeptos da caminhada. E por ser um logradouro público que se chama Liberdade não há ali o preconceito de cor, raça ou religião.

Mulheres – lindas mulheres, diga-se – sempre marcam ponto na praça em peleja constante com as, também, lindas flores. Mulheres e flores, flores e mulheres: eis as mais belas e poéticas criações que o inigualável Criador doou ao mundo para enfeitá-lo! Bendito, pois, sejais Vós Senhor!

Na Praça da Liberdade há de tudo que a mais fértil das imaginações possa criar: crianças em belos carrinhos com zelosas babás, senhoras e senhores idosos buscando saúde na melhora do condicionamento físico, e os sempre sarados e musculosos jovens dando o ar de suas graças, atraindo atenções, arrancando suspiros das belas moçoilas que, por lá passeiam. Há, também, os animais – na sua maioria, cães de estimação – sempre levados por suas orgulhosas “mamães”. São bem tratados, têm pedigree, bons veterinários e frequentam os mais qualificados Pets Shoppings. Alimentam-se das melhores e mais caras rações quando, então, se banqueteiam. Como se não bastasse, têm eles, ainda, os “Dog’s Hotéis Five Star”, com direito a banho de espuma, cabeleireiros especialmente treinados para melhor servi-los e (pasmem!) até dentistas para cuidar dos seus incisivos, molares e caninos.

Contudo, e por ser a praça das liberdades, há nela: pombos, rolinhas, sabiás, canários e uma infinidade de outros pássaros canoros. Como não poderia deixar de ser, há também os cães vadios – os vira-latas! Eles não incomodam a ninguém. Ficam zanzando de um lado para o outro, flertando com as belas “ladies dogs” que por lá abundam. São, contudo, sempre enxotados pelas zelosas donas.

Um, todavia, dentre os muitos cães, se destaca. Ele, mesmo estando sujo e fedorento, possui uma sutil beleza que diríamos ser ímpar – singular! O seu altaneiro porte faz-nos imaginar tratar-se de um cão que se perdeu ou fora abandonado por um insensível dono. Mas ele, ao que parece, é feliz. É livre e, por livre ser, adotou a Praça da Liberdade como sendo a sua casa, seu reino! O coreto lá existente é o seu castelo inexpugnável. Nós, e todos que ali pululam, são – sob a sua realeza ótica – os seus súditos.

A fome faz o estômago do rei dar irados rosnados. Mas, ele sabe onde há o repasto que irá aplacar a ira do “leão estomacal”. E é para lá que ele se dirige. O local é o fundo do Palácio da Liberdade, sede aristocrática do Governo de Minas Gerais. Ele para! De soslaio vasculha o ambiente. A barra está limpa – constatou! O poderoso olfato diz-lhe: - Meu rei, o almoço está à mesa!

Na realidade, a mesa é uma sacola de plástico, preta, devidamente atada!
A fome pede passagem e atropela os bons modos. Fazendo uso das unhas e dentes, ele rasga o invólucro. Pelo chão se espalham suculentos pedaços de carne, ossos de frango e costeleta de ovinos com fartura das carnes que não foram degustadas, denotando o desperdício dos comensais. Há, também, arroz, presunto, feijoada, generosos pedaços de lombo, filé e até caviar – pasmem! Ele olha para o banquete e se banqueteia. O famélico “leão estomacal” se cala – parou de rugir, rosnar!

Já satisfeito, ele deixa o local e se dirige aos seus aposentos reais: o coreto da praça. Lá, refestela-se para uma merecida sesta. As pálpebras pesam-lhe sob o comando de Morfeu. Contudo, e como se tivesse sido atingido por uma flecha lançada por Cupido a mando de Eros, ele espanta Morfeu. Os seus olhos vislumbram, ao longe, a mais bela de todas as cadelas. As suas orelhas se levantam incentivadas pela curiosidade e pelo feromônio que vem da bela, se espargindo deliciosamente pelo ar adentrando-lhe as narinas.

Os degraus que o levariam ao gramado são vencidos de um só pulo em um átimo de segundo, tamanha era a sua pressa. Já no solo, aproxima-se da linda cadelinha. Sacudindo a cauda em cumprimento, dá alegres e baixinhos latidos saudando-a. A sua dama, ao que parece, dele gostou e, balançando de forma convidativa o rabinho, deu-lhe maravilhosos caninos sorrisos sob a forma, também, de latidos. Os alegres “aus, aus” deveriam estar dizendo-lhe: -“Olá, rapaz! Como vai você?”

A dona da cadelinha não gostou nem um pouco do que vira. Com um brusco gesto puxou a tira de couro que, amarrada à coleira, mantinha presa a cadelinha sob rigoroso controle – de natalidade, inclusive! Pela sua cabeça de ‘madame com cara empoada e nariz de cadáver’, deve ter passado um pensamento de supremo preconceito: -“Imaginem que atrevimento! Vejam se vou deixar a minha bem tratada Joeslyne dar trela, namorar com este famélico vira-latas? Humpf! Nem morta!”

Ato contínuo, e aos berros, espantou o apaixonado ‘Cão Quixote’ (de la Mancha? Não! de la Praça!) que insistia na conquista à doce e terna ‘Cadelady Dulcineia’. Contudo, o valente ‘Cãovalheiro Errante’ – mesmo estando sozinho por não contar com a ajuda do seu fiel escudeiro Cão Sancho Pança – não se deixou abater ao bater-se em retirada. Longe estava o desejo de fugir dos moinhos de vento, com suas hélices que se movimentavam ferozmente, movidas pelo tornado que saía das narinas da furibunda senhora. Longe, bem longe estava a desistência em conquistar a sua bela ‘Cadelady Dulcinéia’. E assim pensando, ao longe ficou flertando com a sua dama que, atada pela tira presa à sua coleira, feria-se no seu sacrossanto direito de ir e vir pela praça que tem o nome de Liberdade. E era essa liberdade de ir e vir, de poder correr pelos lindos e floridos jardins, de amar e ser amada e de conquistar e ser conquistada que lhe eram tiradas pela tirania da sua impiedosa dona.

A desumana proprietária da cadelinha, agora mais sossegada por haver dispensado o audacioso pretendente, assentou-se em um dos bancos da praça e pôs-se a ler um livro que tirara da sua elegante Louis Vuitton. A leitura, ao que parece, era muito interessante. E ela, embevecida, baixou a tirana guarda, deixando-se levar pelas asas da elucubração proporcionada pelo entretenimento que tinha às mãos.

O tempo passa. Por ela passam pessoas com cadenciados passos a cronometrarem tempo e passadas com o marcador de tempo. Todavia, algo de estranho e de novo deveria estar acontecendo. Ela notara que as pessoas – ao passar em frente ao local onde se encontrava assentada – sorriam. Intrigada, quis saber e ver o motivo.

Melhor seria não saber. Melhor seria não ter visto – arrependeu-se! O motivo de tanto riso dos passantes estava no fato da sua Joeslyne estar “namorando firme e gostoso” com o atrevido vira-lata. A dama quase teve um ataque cardíaco e de nervos ao ver a sua coitada e doce Joeslyne naqueles desavergonhados amassos.

Envergonhada, sorriu um riso – um tanto quanto amarelo – que escondia o siso, deixando, porém, transparecer a máscara do ódio incontido que ela tentava, às duras penas, conter. Em seguida, atou Joeslyne a uma árvore, virou-se de costas para a cena e saiu à francesa do palco onde a tragicomédia – para ela, claro – se desenrolava. Ato contínuo, e bem ao longe, ficou esperando a farra canina acabar. Sabia, por ter ouvido dizer, que “enquanto o nó não desatasse”, o namoro não chegaria ao ápice, ao final. E o namoro de cães apaixonados (Ufa!) demora pra burro – ou pra cachorro, sei lá!

A Lady – antes Joeslyne, agora Dulcineia de la Praça – estava felicíssima. Arfava pelo esforço desprendido. Contudo, notava-se pelo seu meigo olhar que a felicidade era a tônica do momento. A sua rosada língua, agora, fora da boca, dizia tudo. Dizia que ela estava chegando ao nirvana, ao supremo prazer. Isso era demonstrado pela enorme quantidade de saliva que escorria da sua boquinha. E esse ápice era de há muito esperado, almejado, querido, desejado e sonhado.

Na outra extremidade do seu belo corpinho o seu amado Cão Quixote babava em um triplo prazer: ter conquistado a sua amada e dado uma lição na prepotente e cadavérica madame empoada. O terceiro era o de ter chegado ao paraíso, levados pelas mãos de Eros – deus do amor dos homens e dos cães!

Depois de longuíssima e desesperada espera, o nó – finalmente (Ufa!) – se desfaz. O vira-lata vira-se de frente para a sua amada. Como forma de um terno e amoroso beijo, lambe-lhe a carinha, o focinho e, por fim, a boquinha. Ela, alegremente, retribui-lhe o beijo e, também, lambe-o todinho numa inequívoca troca de salivas que causaria inveja aos eternos namorados de Verona – Romeu e Julieta!

Aquele foi, para Joeslyne, o seu primeiro encontro de amor, seu primeiro beijo. Tivera, enfim, a sua noite – ou seria tarde? – de núpcias.

Subjugada pela coleira e cólera da sua dona e senhora, ela – coitadinha! – é arrastada pela praça como se fosse a Madalena a quem Cristo perdoou. Para ela, todavia, não haveria o perdão. O seu hediondo e dantesco crime foi o de amar e ser amada como nenhuma outra cadelinha fora em toda a história canina. Chorando sob a forma de ganidos, ela é bruscamente levada, aos safanões, pela megera dona e senhora dela e do seu atro destino.

-“Ao chegarmos à nossa casa você vai ver – ouviu sua desavergonhada?” Dizia a soez, empoada e colérica madame. E completou: -“Você vai pagar bem caro pelo vexame que me fez passar! Ah!... isso vai!”

A Lady Dulcineia a tudo ouvira, contudo, nada entendia ou “não estava nem aí” para o que falava a sua dona e senhora. O mais importante era a felicidade vivida há pouco e o prazer de vir a ser mamãe de uma bela ninhada de saudáveis filhotinhos. -“Tomara que todos sejam belos, valentes e valorosos como é o pai” – pensou!

Tristonho, o Cão Quixote de la Praça vê a sua doce e amada Dulcineia sendo humilhada, maltratada, espezinhada e arrastada pelas ruas e praça. Todavia, nada, por ela, poderia ele fazer. -“Os humanos não sabem amar nem serem amados” – sabiamente, pensou!

E lá vai arrastada a sua amada. Elas adentram um luxuosíssimo carro importado tendo ao volante um motorista uniformizado, mais parecido com um general cinco estrelas, destas repúblicas de banana que infestam o mundo. Ela segue o seu triste caminho e negro destino, pagando um altíssimo preço por um caríssimo luxo. Melhor seria ser livre e vira-lata naquele lindo logradouro para amar e ser amada – imaginou – do que viver sem poder respirar os ares de liberdade que espargem pelo perfumado ar do logradouro que lhe outorga o sagrado nome de: Praça da Liberdade!
                                                                                            
 
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Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 04/08/2020
Alterado em 14/08/2020
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