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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos
FOI AMOR À PRIMEIRA VISTA
 
Passei por ele. Pelo gradil da prisão ele lançou-me um olhar piedoso. Segui o meu caminho dando dois passos à frente. Contudo, algo me tocou, fazendo com que retrocedesse outros tantos passos dados! Nossos olhares voltaram a se cruzar. Pensando – talvez, claro – que fosse um advogado (Vale dizer que, ainda, não era.) fez os seus lindos ocelos transmitirem uma surda mensagem captada pelos meus e que fora entendida, em tradução mútua, pelos nossos corações. E a mensagem apelo do seu coração ao meu apelado coração dizia:
-“Por favor, tire-me daqui! Não cometi crime algum para merecer tamanho castigo!

Por entre as grades (Não dando importância e ignorando o proibitivo aviso de: “Não toque nos animais!”) acariciei sua linda e sedosa cabecinha. Com o seu rabinho balouçando – típico do seu canino linguajar – ele agradeceu-me! Continuei com minhas carícias, desta feita, em seu pescoço e orelhinhas enquanto ele, gostando das mesmas, parecia sorrir com o seu rabinho sempre balançando e os pios olhares a implorar-me um -“Faça mais! Está tão gostosinho, faça!” Fiz! Mesmo sob os protestos do vendedor – fiz e... pronto! Estava feito o proibitivo ato.

Dirigindo-me ao carcereiro vendedor indaguei: -Qual é o preço daquele cãozinho?

O preço me fora dado na bucha e eu pechinchei no ato. Depois de algum tempo de réplicas e tréplicas, chegamos a uma “sentença liberatória”, ou seja, o valor – alvo das réplicas e tréplicas naquele Tribunal de Exceção. Claro está que ambos saíram ganhando – o vendedor, coitado, bem menos que o planejado!

-Quero levar alguma ração para o meu novo amiguinho; providenciar a sua vacinação e todas as demais coisas necessárias para bem cuidar do meu cãozinho – dissera ao carcereiro! Atendidas as burocracias, peguei a ração, o cãozinho e, alegremente, saímos daquela penitenciária de inocentes, não sem antes entregar ao caixa o “alvará de soltura” do meu amiguinho: um cheque assinado pelo “eu juiz” de todas as varas dos egrégios tribunais, reconhecido por direito outorgado pelo deus Real – bom seria se fosse pelo poderoso deus Euro!

Ao meu colo, alegremente, ele parecia agradecer-me com pequenas e carinhosas mordidas em meus braços e mãos. Em alguns momentos, pareceu-me que ele queria andar ou, simplesmente, pular pelas ruas como a comemorar a sua tão sonhada liberdade. Enfim, aquietou-se, deixando-se levar pelas mãos que – acredito – ele entendia serem amigas.

Chego à minha casa. A recepção não fora bem assim – devo ressaltar, ‘nenhuma Brastemp!’ A minha esposa olhou-nos com um ar de óbvio descaso. Por certo, não concordava com meu ato de “coração de manteiga derretida”. O meu amiguinho não notou. Mas (e se notou, ah!...), “num tava nem aí!”.

Todavia, o descaso fora por mim notado. Meu dileto e novo amiguinho não deu a mínima. Cumprimentou-a com o abano de rabo; seu indefectível sorriso canino mesclado a um desconcertante, meigo e pio olhar carregadinho de chantagem emocional, como a implorar um: -“Por favor, goste de mim! Eu sou tão sozinho, preciso tanto de um colinho, carinho e amor!” Pronto! As muralhas da indiferença estavam ruindo como ruíram as de Jericó. Ela o pega, coloca-o no colo. Ele a mordisca – parece ser esta a única maneira dele se comunicar, provar às pessoas que ele, delas gosta.

Ruínas das muralhas jaziam ao chão, piso que, agora, o nosso cãozinho, pesquisava num incansável trabalho de reconhecimento. Visitou a sala, quartos, corredor, cozinha e área de serviços. Por cada canto passado, deixava a sua demarcação de território. Uma gotícula de xixi – aqui, outra ali, mais uma acolá – delimitavam a sua fronteira contra os possíveis invasores. O rodo com pano de limpar o chão, carregado pela minha esposa que o seguia por todos os lados da casa, era, para ele, um inimigo a ser derrotado – um feroz dragão! Explica-se: o pano retirava os limites da fronteira que, por ele, fora tão arduamente estabelecida. Portanto, ele o “atacava” com unhas, dentes e um arremedo daquilo que, no futuro, viria a ser um possante latido.

Esse primeiro contato entre os seus novos amigos – não nos considerávamos os seus donos, devo dizer – fizeram com que os laços de amizade se estreitassem ainda mais.


Por ser um filhote, um protótipo de cão, tudo que ele faz torna-se engraçado. E isso, com o passar do tempo, fazia-o mais querido, amado.

Usando sempre da sua chantagem canina, pedia-nos com os pios ocelos para subir no sofá no qual, assentados estávamos. Era atendido. Os programas de televisão, leitura de jornais (Ele adorava rasgá-los com os seus afiados dentinhos.) se transformaram em um gostoso tormento. As atenções deveriam – e eram, diga-se – somente para ele, o Rei Supremo da casa.

Chinelos, sapatos, tênis, jornais, enfeites da geladeira, (Meias e calças? Santo Deus!) eram os seus brinquedos favoritos. Improvisamos uma bola de meia. Em princípio, ele gostou. Mas, logo depois, dela não quis nem mais notícias. Os antigos brinquedos eram melhores. Tentei lhe dar uma bolinha de borracha para ser mordiscada – não quis! Portanto, tivemos que nos curvar ante ao Rei do Lar. Os enfeites da geladeira foram retirados da parte mais baixa, por estarem ao alcance da sua insaciável boquinha. Às vezes, fingíamos uma raiva não sentida contra ele pelas bagunças aprontadas. Contudo, nos rendíamos à meiguice e ternura do seu chantagioso olhar. Agora, era nossa a vez de mordiscá-lo, acariciá-lo e fazer cosquinhas na sua barriguinha. Ele – fingindo sentir a mesma raiva que, antes, “sentíamos” – rosnava, mordiscava-nos braços e mãos. Era uma festa que parava somente depois que o sono apertava e ele partia em direção aos braços de Morfeu, dando-nos um já saudoso descanso das suas estrepolias e folguedos.

À noite, tivemos a preocupação de arrumar-lhe uma caminha. Improvisamos: uma almofada se transformou em um colchão de Hotel Cinco Estrelas e uma toalha felpuda passou a ser seu edredom. Enfim, ele adormeceu. Para os braços de Morfeu, também, fomos nós, deixando-o na sala, agora, às escuras. A cama clamando a nossa presença, nos aguardava. Deitamo-nos e, antes que o sono nos tomasse, conversávamos sobre o nosso mais recente (Ops! Quase digo filhinho.) amiguinho. Todavia, da sala vem um lamento que nos chega aos ouvidos. Era o nosso Reizinho clamando pela presença dos seus súditos – nós!

-Deixe-o chorar um pouco – disse! Ele logo se acostumará e, por certo, ficará calado. Ledo engano. Já conhecedor profundo do seu reino, ele se embrenha na nossa busca indo nos encontrar na nossa cama. Sentindo o nosso cheiro, ele se põe a choramingar. A minha mão desce rumo à sua cabecinha. Acaricio-a e ele se cala, contudo, não vai embora. O tapete do nosso quarto era, para ele, mais aconchegante por estar perto de nós. A sua cama Cinco Estrelas – que havia ficado na sala – é transferida, com mala e cuia, diga-se, para dentro do nosso quarto. Alias suíte oficial do Rei Cãozinho!

O período de sono do Rei era comedido. Às vezes ele acordava em plena madrugada e, por sentir-se sozinho, clamava pelos seus súditos e guardas do seu reino – claro está: nós! Ele se apoiava em suas patinhas traseiras e, com as dianteiras, começava a arranhar as bordas do nosso colchão. A minha mão, novamente, descia rumo a sua cabecinha onde, então, fazia as já costumeiras carícias. Ele, agora seguro da nossa presença, voltava ao sono dos justos sem se incomodar com os pecadores.

Com o passar do tempo, notamos que o seu último despertar se dava, geralmente, às 5.30h quando, então, tínhamos que ignorar os seus lamentos e chantagem para dormirmos um pouco mais. Vencíamos pelo cansaço!
O nosso amoroso relacionamento, contudo (Que pena meu Deus!), teve uma efêmera duração. Por óbvios motivos descobrimos que, com ele, não poderíamos ficar. Minha esposa leciona; eu faço fisioterapia, faculdade e o nosso amado teria que ficar sozinho em casa. Para ele, isso era um tormento. Talvez viessem à sua mente as amargas lembranças da solidão vivida no Carandiru Canino.

Assassinei algumas sessões de fisioterapia para ficar com ele em casa – não queria deixá-lo só! Foi uma semana (e quase meia) de amor. Não seria possível, assim, continuar – constatamos! Infelizmente, tínhamos que tomar a pior de todas as decisões: desfazermos do nosso dileto amiguinho. Fora o pior de todos os dias da minha vida. As lágrimas, a cascatearem pelas minhas faces, diziam das dores que assolavam meu peito.

Coloquei-o nos braços. Minha esposa, dele se despede. Já na rua ofereço-o – com o coração dolorido – a uma amiga que passa. Ela, de bom grado, aceita (E quem não aceitaria algo tão bonitinho e charmoso?), levando-o para a formação de um novo reino. Noto que ele me lança um pio olhar. Nem ele, bem como eu, queríamos aquela triste despedida. Como no nosso primeiro encontro, os nossos olhares se cruzaram. Se, à época, eram olhares de um libertador de um preso, eram, agora, olhares de despedidas de diletos amigos. As mensagens dos nossos olhares diziam todo o sofrimento que os nossos corações sentiam – saudades e dores pela separação!

Retorno à minha casa. Ao abrir-me a porta sou indagado pela minha esposa:
-E o Baby, meu amor, onde  ele está? (Talvez ela mantivesse viva a tênue a vã esperança de que não entregaria nosso querido e amado Baby para ninguém!)

-Dei-o para uma senhora amiga! Ela vai cuidar dele muito bem – respondi-a!
As pálpebras da minha esposa não conseguiram servir de dique capaz de conter as suas lágrimas. E elas despencaram faces abaixo. Tentando acalmá-la abracei-a. Contudo, os meus frágeis diques faciais, também, se romperam. Não estávamos preparados para o dilúvio lacrimal. Não havíamos construído uma arca como fizera Noé. Não esperávamos que nosso amor pelo pequeno Baby, fosse, já, tão grande, enorme, imensurável. Ambos chorávamos a partida do maior e mais fiel dos amigos que tivemos.

Adeus! Adeus pequeno e querido Rei Baby, eterno monarca do Reino dos nossos corações: o seu Reino!
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 11/07/2020
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