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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos
INSPIRAÇÃO
 
Assentado frente ao computador, tendo a mente em um completo burburinho, buscava ávido – como um náufrago a buscar um bote salva-vidas – inspiração para escrever uma crônica. Para o bem da verdade, seria um trabalho escolar. À época, cursava um preparativo para o vestibular. A campainha da porta, estridentemente, toca: “blim, blom, blim, blom”!...

Saco!... Falei para os meus botões: - Logo agora em que me encontro absorto, concentrado na busca de uma inspir... “blim, blom, blim, blom, blim”!... Já vou, já vou!... Esbravejei juntamente ao último “blom” sequencial da irritante campainha. Com cara de poucos amigos – cara de mau – abri a porta disposto a “brigar” com o inoportuno visitante. Contudo, fora eu por ele desarmado com um amável sorriso. Sorriso nos lábios, braço estendido em minha direção, tendo no seu prolongamento uma mão aberta, ávida por um aperto amigo – um afago! Apertei-a!...

-Bom dia!... Saudou-me o visitante ao mesmo tempo em que se apresentava. Meu nome é Substantivo e aqui me encontro para pedir a sua ajuda. Apresentou-se e, sem dar-me a oportunidade para, também, apresentar-me, chamou a prole que o seguia e, literalmente, invadiram a minha casa. Com um sorriso amarelo quis convidá-los a entrar. Desisti!... Já estavam dentro!... O pensamento de oferecer assentos morreu na mente. A desistência, novamente, se fez presente: assentados – de há muito – já estavam!...

-Estou com um enorme problema – dissera-me o Senhor Substantivo! Em seguida, virando-se para o lado, segurou pela mão o mais levado dos filhos dizendo-lhe: - “Fica quieto, Sobrecomum!”... O danadinho se aquietou emburrado. O recém-amigo, então, prosseguiu com seu desabafo em meio àquela tremenda algazarra que a sua progênie descendência promovia.
-Sabe meu amigo, os meus filhos estão com uma mania de grandeza que, de certa forma temo que irá prejudicá-los. Cada um quer dar a si próprio uma importância exagerada e...

Adiantando-se à narrativa do pai, o Concreto expôs a sua megalomania e falta de educação, dizendo-se ser “um ser de existência própria, independente e”...
- “Qualé, bicho?... Num vem não! Sacou, xará? O mais importante nessa jogada toda sou eu! Tá claro, véi?” Quem assumiu, desta feita, a palavra e com ela estava, era o jovem Simples que, de simples, nada tinha. E arrogante diz: -“Vejam vocês!... Eu sou uma flor, o dia! Sou ...”
-Vejam só a audácia da boneca!... Que que é isso, tonta? Eu, sim, sou o mais importante – retrucou o Composto! Sou o gostoso Pão-de-Ló; a perfumada Água de Cheiro; o Guarda-chuva! Sou o...

-Interessante (e eis que entra em cena o Abstrato), dizem que eu sou um parasita e que vivo parasitando no mano Concreto, mas eu discordo. O que seria da vida, do amor, a ternura, a gostosa e imensurável saudade sem a minha marcante presença?

-Ai, ai, ai, pô!...Eu, francamente, não aguento vocês!... Que seria de tudo isso sem algo que os classificassem? Imaginem as coisas sem mim!... Não haveria destaques, não haveria a posse. Quando alguém diz: - Vou ao Brasil! Amo a Ana Maria! Gosto de Belo Horizonte, etc!... Ele está colocando no devido lugar, em seu grau de importância, o óbvio ululante: euzinho, o Próprio. O único que designa a unidade do ser dentro da espécie! Sacaram... seus tontos?...

Arre!... Dá até dó ouvir tanta baboseira!... (Manifestou-se aquele que, mais tarde, fiquei sabendo ser o Coletivo.) Eu, sim, sou o mais importante. Vejam bem que, sozinho, represento um conjunto de seres da mesma espécie. É mole, galera? Eu sou a Vara: porcos! Sou a Esquadra: navios!... O Cardume: peixes!... Uma Pinacoteca: quadros!... Sou a...

-É! Eu posso não ter o mesmo grau de importância que vocês, meus irmãos, alardeiam possuir. (Disse o ainda ressentido Sobrecomum por ter sido chamado à atenção pelo pai, quando da chegada em minha casa.) Mas, também, tenho o meu valor. Em um mundo onde o sexo tornou-se um modismo que a mídia explora em comerciais, novelas e revistas pornográficas, eu me apresento como sofreador de ímpetos a igualar os gêneros de forma tal, que não há artigo ou qualquer artifício determinador que seja capaz de definir o masculino do feminino.

-Sua bicha louca!... Vejam só – disse o possesso Epiceno!... Eu, sim, sou diferente, o machão. “Nun tô nem aí” para esse negócio de importância, gênero... essa baboseira toda, sabe? Para mim, aquilo que vier eu traço. Se quiserem cobra macho... “tô” aqui!... Se “tão afins” de cobra fêmea... deixa comigo!... É como eu mesmo (ou seria mesma? Humpf!) disse: - Aquilo que vier eu traço “numa boa, numa nice!...”.

Parem – resoluto, intervi!... O Comum e o Comum de dois Gêneros queriam também opinar. Não deixei. O papo já se alongara em demasia e eu tinha mais o que fazer. Contudo, disse-lhes:
- Amigos, tudo nesse mundo tem o seu grau de importância, sua razão de ser, de existir. Dentro dessa refrega familiar, onde cada um quer exaltar o seu “grau de importância”, deve ser lembrado que todos são dependentes de todos. A beleza idiomática não está estribada, somente, na beleza da palavra isolada em si, mas, e acima de tudo, naquilo em que ela se propõe a transmitir dentro do contexto. Tão importante quanto vocês, os Substantivos, estão o Adjetivo, o Pronome, o Numeral, o Verbo, o Advérbio, a Preposição, a Conjunção, o Artigo e a Interjeição!... Todos, ilustres e imprescindíveis personagens para o bom entendimento do encanto da poesia e beleza literária. A frase, a oração e o texto, não seriam entendidos e – consequentemente – nem tão belos sem o correto uso das pontuações. Uma “mera” vírgula, colocada no devido lugar, dá ao texto uma imensurável beleza, uma sutileza poética e um melhor entendimento. Pensem nisso, amigos – completei!...

O meu mais novo amigo, o Senhor Substantivo Pai, fitou-me com os olhos banhados em lágrimas. Deu-me um gratificante sorriso de agradecimento, um apertado e aconchegante abraço e saiu com a sua prole.
Eu, mais agradecido que nunca, corri em busca do meu computador. Tinha agora, às mãos, a inspiração para o meu trabalho escolar.
                                        
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Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 11/07/2020
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