O NASCIMENTO DE UMA BELA CIDADEIntroito
A história do surgimento da cidade de Governador Valadares – segundo os registros dos dados históricos – surgiu sob uma frondosa Figueira brotada às margens do Rio Doce. Imaginamos que a semente desta Figueira fora trazida pelo rio – à época – nem nome tinha. E o valente rio começa desde o seu nascimento a desbravar o seu caminho que o levaria ao mar – seu destino final.
Sem a saga deste bravo rio, provavelmente, a história da cidade de Governador Valadares, incrustada no Coração do Vale do Rio Doce–MG poderia ter outra história, outros desfechos.
Com os meus leitores deixo, pois: A saga de um grande rio em: O Nascimento de Uma Bela Cidade! Notas do autor
... Em princípio, ele era somente um mísero filete d’água que brotara de uma serra, à época, ainda, sem um nome que a identificasse. Seu nome, hoje: Serra da Mantiqueira! E era ele, um arremedo daquilo que viria a ser um córrego que, como a serra, ainda não tinha um nome. Sendo um mero filete, o arremedo segue o seu destino. Recebe um pequeno filete afluente aqui, outro ali, mais outro acolá e, agora, já é um pequeno riacho. As primeiras formas de vida – vindas não se sabe de onde – no pequeno riacho apareceram.
Outro filete pela direita, mais um acolá e ele já não é mais um riacho nem protótipo de córrego. É um rio de grande proporção, piscoso e detentor de um invejável porte. Havia se transformado em um rio difícil de ser vadeado e que deslizava pelo grande leito por ele esculpido – bravamente, diga-se – entre as rochas e terras das verdejantes planícies.
Dos céus vinha o barulho ensurdecedor dos trovões. Era o prenúncio de fortes chuvas, abençoadas chuvas – comuns à época. Hoje, somente desabam as chuvas “abençoácidas” pela fúria desenfreada do predador bicho homem. E as chuvas por Deus abençoadas, desabavam copiosamente, tornando mais largo o rio, fazendo-o adentrar – como uma horda de saqueadores Vikings – as planícies dos virgens e verdejantes vales pelos quais passava. O rio – numa luta titânica – varre os campos desertos de gente, rico, porém, de vida animal e vegetal. Sementes de variadas espécies são levadas em seu leito. Elas seriam plantadas pelas hábeis mãos da Mãe Natureza em outras plagas. E dentre as muitas sementes que no seu leito seguiam, ia a do figo que germinaria para se tornar uma imponente Figueira.
O indomável rio segue o seu caminho. Seu destino/foz: o mar. As sementes seguem os seus destinos: buscavam algum solo fértil para germinar, criar raízes, crescer e florir para frutificar nas margens do rio, em algum lugar incerto de futuro idem.
Pelo caminho, de há muito esculpido, lá vai o rio. Pradarias vão ficando para trás. Ele vai impoluto, valente. Levava no seu bojo pequenos animais agarrados aos arbustos e mais sementes das variadas espécies coletadas ao longo da sua viagem.
As chuvas diminuem de intensidade. As suas águas vão diminuindo o volume. O rio vai retrocedendo, sem render-se, retornando às suas dimensões normais – aquelas por ele esculpidas para virem a ser o seu leito. A semente do figo segue – levada como as tantas outras – próximo à margem do caudaloso leito. No rio, pequenos animais e sementes vão, como em um passeio, vislumbrando as paisagens. Eles passam por um local lindo que tem como marco uma enorme pedra que brotara da terra em remotas eras e se encravara no verdejante solo. Uma verdejante e luxuriosa vegetação a circundava parecendo querer escalá-la. E o seu verdor contrastava com a cor cinza da enorme pedra. O seu topo, roçando nas brancas nuvens, faz-lhe parecer um Everest brasileiro encimado por suas neves eternas.
Afastada do grande pico havia uma pequena rocha em rota de colisão com o valente rio. Era, provavelmente, resquício do Everest, impossível de ser levada ou destruída pela fúria do rio bravio. A rocha resiste aos ataques das águas do valente Viking e divide o bravio rio. Na rocha, vão se acumulando galhos, pequenos animais viandantes e troncos que facilitaram a formação de um banco de areia. Nele foram-se aglomerando juncos, mais troncos, sementes que viriam a brotar, os pequenos animais passageiros e seixos. O banco de areia cresce. Já não é, tão somente, um banco de areia – é, agora, uma enorme ilha, forçando, ainda mais, o rio caudaloso a se dividir em dois braços colossais indo até ao sopé do imenso Everest brasileiro.
E fora essa bifurcação que guiou para a margem esquerda do rio a semente da Figueira que era levada ao sabor das turbulentas águas. A semente se esbarra em um galho. A força impactante a retira do leito do rio. E o rio, impoluto, segue. Ela, inconsolável pela separação, fica. Ele, incorrigível e volúvel Don Juan, vai. Vai levando saudades e saudades deixando, como desesperado amante na busca de novos amores, novas conquistas, novas sementes que levaria em seu leito para novas planícies, pradarias novas, diversificando espécimes pelas diferentes regiões as quais passava.
A semente que ficara à margem do rio é cuidada pelas sapientes mãos da Mãe Natureza. Ela a consola cobrindo-a com humos, seixos e indeléveis cuidados. E a semente, cumprindo seu filético destino, começa a germinar. As primeiras raízes brotam tendo como companhia um arremedo de caule. A força do geotropismo positivo puxa as raízes para o solo – buscava os ingredientes para sua alimentação e fixação. A força do geotropismo negativo impulsiona o caule para cima – buscava a luz solar para formação da fotossíntese, indispensável para sua vida. Uma tenra e impoluta árvore começa a crescer.
Passa o volúvel rio. Passa o indelével tempo. A árvore, agora, começa a florir, frutificar para gerar novas sementes que serão levadas pelo intrépido Don Juan Rio a novos campos, novas plagas e novas pradarias. E a semente rejeitada pelo inconstante rio é, agora, uma imensa Figueira que tem à sua frente uma enorme ilha e sob a sua imensa copa um grande e navegável rio denominado, tempos depois: Rio Doce.
Os navegantes que viajavam pelo Rio Doce faziam da sombra da enorme Figueira um ponto de encontro, troca e venda das suas mercadorias. Pequenos, em princípio, os alojamentos são erguidos em torno da Figueira. Com o passar dos tempos, vão se tornando maiores. Casas residenciais e comerciais vão surgindo e se multiplicando. Existe, agora, em torno da Figueira, um povoado emergente que – como o volúvel rio – dela vai se afastando rumo às pradarias, tomando ares de metrópole.
E naquele modesto povoado surgiu – como do nada – uma leva de aventureiros garimpeiros a garimparem o solo rico em preciosidades minerais: pedras preciosas, mica e ouro. Isso atraiu numerosas prostitutas que garimpavam, durante a noite, nos bolsos dos garimpeiros, aquilo que eles, arduamente, garimparam durante o dia no solo. Elas, contudo, não usavam enxadões, nem pás ou picaretas. Suas ferramentas eram os belos e sedutores corpos suados, mesclados aos suados corpos dos garimpeiros a garimparem o mais precioso dos tesouros: o amor – suado e comprado “amor”!
Precisando dar um nome ao povoado, nada mais justo que denominá-lo: Figueira. E por estar à margem do Rio Doce, deram-lhe nome e sobrenome: Figueira do Rio Doce.
O tempo passa. O povoado cresce. O nome é mudado. O poético Figueira do Rio Doce se transformou em Governador Valadares, homenagem ao estadista mineiro, então, Governador do Estado de Minas Gerais: Benedito Valadares.
E Governador Valadares é, com justificado orgulho, a capital do Leste mineiro e do Vale do Rio Doce. Importante pólo comercial, pecuário, agro-pecuário, industrial e político. Menina dos olhos dos que têm, ou tiveram, o privilégio de terem nela nascido ou – tão somente – nela vivido ou mesmo tê-la conhecido.
O seu povo é amigo, acolhedor, afável. Contudo, não se sabe ao certo o porquê desse indomável espírito aventureiro que assola o coração do valadarense. Ouso dizer que ele está ligado ao volúvel espírito do Rio Doce que trouxera a semente da velha figueira para, ali, fixar as suas raízes. Todavia, as raízes não foram fortes o suficiente para prender o espírito aventureiro do filho deste lindo solo. Faltou ao filho o DNA – elo forte da corrente contido nas raízes da Figueira – que pudesse dizer ao tresloucado e pródigo filho:
-“Fica aqui, filho meu! Não vá para outras plagas! Não há, em nenhum lugar do mundo, um Éden como este a que está abandonando agora.”
No peito do filho nômade falou mais forte o herdado espírito volúvel do doce rio. Tresloucado, aventureiro – sempre na busca de novas conquistas – o filho não ouviu o DNA contido nas raízes da sábia Figueira. O espírito aventureiro do rio, falando mais alto, fê-lo ir para solos distantes. E, levado pelos possantes pássaros de aço, o pródigo filho voou, deixando os canoros pássaros da sua terra com saudades. Na louca busca da realização dos sonhos – a busca do eldorado – para lá ele foi. Estados Unidos, Europa e o mundo, eram os seus objetivos. E o pródigo trocou as verdes folhas da Figueira pelos verdes dólares, deixando um rio, antes doce, agora, amaríssimo pela ação predatória do bicho homem ou salgado pelas lágrimas dos que ficaram.
Mulheres perderam maridos, levados pelo canto das sereias (Ou seriam os encantos das verdinhas moedas americanas?), namoradas perderam os namorados. Namorados perderam as namoradas. Maridos perderam esposas. Esposas perderam maridos. Em ambos os casos levadas e levados pelos sonhos de uma vida melhor. E Governador Valadares se tornou uma cidade de viúvas de maridos vivos e viúvos de vivas esposas. Famílias inteiras perderam as suas casas, pequenos sítios – tudo no afã de conseguirem adentrar no eldorado solo americano. Muitos retornaram piores que quando partiram. Lá, muitos se casaram – não com uma mulher ou com um homem – com um “green card”, o vivo direito de estadia no solo estrangeiro. Lá, os filhos da Figueira nada mais são que meros escravos. Quando descobertos, são deportados como animais, depois de terem ficado à mercê das rígidas leis americanas em prisões, sem terem condições de se defenderem – a maioria foi para o eldorado não sabendo falar nem o “I love you Tio Sam” ou mesmo o clássico “The book on the table”!
Contudo, há de se lamentar que todos: namorados, namoradas, maridos, esposas, filhos, e filhas, frutos das sementes da frondosa Figueira – deixaram o Rio Doce para navegarem, perigosamente, diga-se – nas turbulentas águas dos Rios Mississippi, Oregon, Hudson e o perigoso Rio Grande na fronteira do Texas com o México. Muitas dessas sementes valadarenses foram plantadas no deserto por homens coiotes, ou foram devoradas pelos coiotes feras durante a sua entrada clandestina no solo americano.
Paira no ar a crucial pergunta: - Quem será a pior de todas as feras? O coiote homem ou o coiote animal? Dúvidas não há. A besta humana é a pior de todas as feras. A besta que se diz humana, mata pelo prazer do ganho fácil. O coiote irracional mata para, tão somente, sobreviver.
Hoje, a bela cidade de Governador Valadares, o velho e já alquebrado Rio (Antes Doce!), pais, namorados, namoradas, esposos, esposas estão de braços abertos à espera dos pródigos aventureiros, aos quais imploram:
- Voltem filhos meus! Está aqui a esperá-los um eterno Rio que era Doce, mas que, hoje, está salgado pelas lágrimas de saudades dos entes queridos que, aqui, ficaram.
Voltem! Vocês não verão a velha Figueira. Ela fora destruída pela ganância dos seres que auto se denominam humanos – não são! Venham rever os verdes campos deste nosso lugar. Eles têm mais valores que o verde papel que se transformou no canto das sereias que os atraíram.
Voltem para adoçar o velho e maltratado Rio – hoje, amaríssimo – para torná-lo Doce de eternas e doces lembranças!
Voltem para conhecerem e serem conhecidos pelos seus filhos que aqui ficaram.
Voltem para amenizar as eternas e indeléveis saudades dos seus entes queridos; de um rio que os ama e de toda uma cidade acolhedora – hoje, a Capital do Vale do Rio Doce e do Leste das Minas Gerais. A sua encantadora e belíssima: Cidade de Governador Valadares!
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