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Altamiro Fernandes
A vida em verso e prosa
Textos
RAÍZES
 
...E lá vou eu – novamente e como sempre – embarcando-me nas asas das minhas elucubrações. Reporto-me ao tempo de criança. Estou na sala de aula onde a mestra, Dona Jalila Nedir, nos dá uma aula de Ciências Naturais. Na semana anterior, nos fora dado, como tarefa escolar, uma, digamos, ‘experiência científica’. Deveríamos colocar em um copo, uma porção de algodão. Em seguida, algumas sementes de feijão que deveriam ser cobertas com nova camada de algodão.

Muita atenção, minhas crianças: - As sementes deverão ficar encostadas às bordas do copo para que elas possam receber a luz do sol e, assim, fazer o procedimento da fotossíntese – uma das mais importantes fases para o seu desenvolvimento e nossa observação diária da ‘experiência científica’. Em seguida, deverão ter o cuidado de umedecer o algodão – e isso deveria ser feito todos os dias – como se regássemos uma horta. Esta tarefa ficará sendo um “Para Casa”, ou seja: anotar em seus cadernos todas as fases da metamorfose pelas quais passarão as sementes, descrevendo-as nos mínimos detalhes – dissera a mestra!

Já em casa, começo os meus ‘trabalhos científicos. Busco as latas onde a mamãe guardava os mantimentos. Nelas vou encontrar algumas sementes de feijão – pego-as. Um vidro vazio substitui o copo. Lavo-o e, nele coloco um chumaço de algodão, quatro sementes de feijão e cubro-as com uma nova camada de algodão. Em seguida, rego as sementes. Ao lado do tubo de ensaios coloco uma página do caderno na qual espero fazer um rascunho da experiência científica. Pronto, estou preparado para descrever os detalhes que, assim espero, viessem acontecer com as minhas sementes:
-Alguns minutos depois da primeira regada, as sementes começaram a ficar com as cascas um pouco enrugadas. Anoto! Em seguida, sofreram um pequeno inchaço. Nova anotação.

O primeiro dia terminou com essas anotações: o enrugamento e o inchaço das sementes. No segundo e terceiro dia, notei uma pequena intumescência nas sementes, seguida por uma pontinha daquilo que, mais tarde, viriam se tornar as raízes – imaginei! No quarto dia apareceu uma pequena haste – anoto o detalhe!

A manhã de segunda era o primeiro dia de aula da semana. E lá estávamos aflitos por contar e apresentar para nossa mestra as nossas observações. Ela adentra a sala. Antes mesmo do “Bom dia, Dona Jalila”, ela se vê cercada pela turma, ávida por contar as novidades.

- Professora, na minha sementinha já brotou uma raiz – dizia o eufórico Dimelson!
- A minha também, Professora e (...). E esse “a minha também” fora dito e repetido ao mesmo tempo por todos os alunos, em meio a uma algazarra enorme.
- Por favor, por favor, façam silêncio! Vocês se esqueceram até do nosso bom dia, não é? –“Bom dia, meus queridos meninos” – saudou-nos a lente!
Um grito de saudação ecoou pela sala:
- Bom dia, Dona Jalila! E o grito se misturou aos risinhos da eufórica turma. A mestra volta a pedir o silêncio e o silêncio chega meio que ressabiado. Dona Jalila retoma o controle antes perdido. Começa enfim a esperada aula.
- Bem, pelo que pude notar, a experiência de vocês está sendo um sucesso (Risos de satisfação brotam nos trêfegos rostinhos da molecada, bem como, também, no da mestra). E ela, retomando as desenfreadas rédeas, diz:
-Agora, minhas crianças, vocês farão algo de muita importância. Com bastante cuidado – e enfatiza: Muito cuidado mesmo! –, vocês vão pegar a sementinha germinada e virá-la ao contrário. Aquela parte que nasceu primeiro, a raiz, deverá ficar apontando para cima. A outra parte, o caule, deverá ser virada para baixo. Vocês deverão continuar com as anotações e observações minuciosas para tudo que, de estranho, vier ocorrer com a plantinha. Na nossa próxima aula, comentaremos as possíveis mudanças anotadas.

A aula prossegue até que a sineta da Dona Isaltina anunciava a hora do recreio e da merenda, refeição única para uma grande maioria. O corredor vira um Mercado Persa, com todos falando ao mesmo tempo e ninguém entendendo nada, tamanho era o alarido.

Findo o dia letivo. Chego à minha casa – e sem mesmo dar um beijo na mamãe – corro para ver como está o meu arremedo de planta. Não houve mudanças, constato. Com esmero, faço as inversões propostas pela mestra: raiz virada para cima, caule virado para baixo. Rego a ‘minha horta’ e – agora sim – vou de encontro à mamãe a quem conto as novidades escolares e as experiências vividas naquela manhã.

A semana passa ligeiríssima. Agora, sim, mudanças houve. As partes invertidas – raiz e caule – voltaram às suas posições originais: raiz para baixo, caule para cima.

A segunda – novamente e como sempre – era o primeiro dia de aula. E começou fervilhando. Mal a mestra adentra o recinto e ela é bombardeada pelos mísseis das curiosidades a serem sanadas. Ela, educadamente, pede calma, silêncio. A aparência da mestra era uma máscara de felicidade por ter conseguido os objetivos propostos: despertar nos seus pupilos o interesse pela matéria lecionada. Feito o silêncio, era, agora, a vez de se fazer a chamada.
– Presente, presente, presente era o que se ouvia quebrando o silêncio antes perdido, agora, também, presente.

A mestra indaga: - E aí, meus caros amores –, alguma novidade anotada na experiência feita?
O silêncio fora para o espaço. Todos querendo falar ao mesmo tempo, obrigando novo pedido de silêncio repetidas vezes.
–Fale um de cada vez para que possamos entender e tirar proveito da aula – dissera a mestra!
–Dimelson – pediu Dona Jalila – quais foram as novidades apresentadas na sua experiência?
- Professora, aconteceu uma coisa muito estranha – dissera o Dimelson! Eu virei a raiz da semente para cima e inverti o caule para baixo. Dois dias depois, a raiz estava voltada para baixo e o caule fez uma curva para cima. Não entendi nada – concluiu Dimelson!

- Fora isso, também, que aconteceu na experiência de todos?
- O ‘foi’ – dito repetidas vezes como assentimento – ecoou pelo recinto fazendo a sala de aula parecer uma lagoa cheia de sapos (foi, foi, foi), dando início à nova balbúrdia somente controlada por um novo pedido de silêncio proferido pela mestra. A calma retorna. A lente retoma a palavra:
- Era exatamente isso que eu queria que vocês notassem. Todas as sementes, quando entram na fase de germinação, soltam primeiramente as raízes. Em seguida, o caule aparece. Ambos têm missões diferentes. A raiz vai para o solo para fixar a planta e buscar os nutrientes que alimentarão o vegetal. O caule, por sua vez, vai buscar a luz solar. A mestra faz uma pausa e, em seguida diz: - Vocês recordam que havia pedido para deixarem a sementinha junto à borda do copo? Pois bem. Isso foi de primordial importância para a sementinha. É a luz do sol que vai promover a fotossíntese – essencial para o desenvolvimento da plantinha. No exato momento em que vocês inverteram o processo de crescimento dos órgãos vitais da planta – a raiz e o caule – eles tiveram que se reposicionar para cumprir o seu papel. Por isso é que houve o retorno da raiz e do caule para os devidos posicionamentos. Se eles não retomassem o processo natural de crescimento, a sua plantinha teria morrido. O que houve foi uma atração a que chamamos de geotropismo. Sobre a raiz atuou o geotropismo positivo – puxando-a para baixo! No caule, houve a atuação do geotropismo negativo, puxando-o para a superfície. Portanto, a raiz se aprofundou na busca dos alimentos existentes na terra e o caule subiu na busca da luz solar, onde seria sintetizada a fotossíntese.

Estávamos maravilhados com a aula recebida. Na sala, somente se ouvia a fala da mestra e as nossas respirações entrecortadas pela curiosidade e emoção. Se um mosquito se aventurasse em um voo rasteiro pela sala, ele seria percebido pelo barulho provocado ao farfalhar das suas asas, tamanho era o silêncio reinante.

O tempo parece ter ganhado asas – e ganhou-as – passou lépido. A aula chegara ao fim. As asas (desta feita, são as das minhas elucubrações) estão abertas. Elas são o combustível da minha máquina do tempo e estão prontas para o voo temporal de volta ao futuro presente. Chego, recolho as minhas asas e, já saudoso, despeço-me das lembranças da querida mestra Dona Jalila Nedir.

Cresci! Novos Professores tive! Novas aulas assisti! Já não sou mais aquele menino encantado pela sua inesquecível mestra, lente mor e de amor abnegado pela sua difícil arte de ensinar. Tristemente constato que, hoje, os abnegados mestres não recebem a devida atenção, respeito e a digna remuneração pela nobilíssima arte de ensinar! E isso faz-nos prever que o futuro do ensino, no Brasil, está fadado a se tornar obsoleto.

Os governantes aprenderam que “governar ignorantes é muito mais fácil que gerir uma nação possuidora de cidadãos com conhecimentos”. E assim pensando, dominam ignorantes como se fossem animais criados em Currais Eleitoreiros, a receberem as “rações diárias” sob a forma de supostos “benefícios sociais” que, nada mais são que meras esmolas ou rédeas com as quais, são conduzidos pelos crápulas.

Esperemos que no futuro – tomara que o futuro esteja bem mais próximo – possa existir, ou possa surgir, algum governante que tenha sensibilidade, respeito e tirocino suficiente para entender, compreender que, sem Professores o mundo estará fadado ao caos da ignorância. O Professor é a mola propulsora do progresso!

“Se as cidades perecerem e os campos forem preservados, os campos farão as cidades ressurgirem” – disse um poeta anônimo. Se os sofridos Professores forem extintos das salas de aulas, não haverá cidades e nem mesmo nenhuma seara a ser cultivada: O homem voltará à idade da pedra! O homem não saberá, nem mesmo, se expressar – será um mero troglodita!
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 07/07/2020
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