A Sapiência da Natureza
Capítulo IV:
O Gavião se prepara. (O Urubu observa.) Pega o palito que havia recolocado no bico para, em seguida, colocá-lo sobre a pedra. Agindo como se um atleta fosse – ou para dar ênfase à sua parvoíce – faz com o pescoço e asas, uns exercícios de alongamento (O Urubu só observando), se preparando para o voo de ataque à pobre e indefesa Pomba-rola. Tem, contudo, o Gavião, a arrogância e prepotência de, antes, avisar:
-Eu não estou com fome! Farei apenas uma pequena demonstração do meu poderio. Estou, por sinal, com o papo cheio, pois, há pouco, me regalei numa opulenta refeição. Será tão somente uma pequena exibição, tá legal? Fica atento aos mínimos detalhes. Ok?
Dito isso, o pedante Gavião alça voo e parte numa velocidade concordiana à captura da frágil Pomba-rola.
A Mamãe Gansa, pressentindo o perigo, se posta, junto aos seus Gansinhos. O Papai Ganso abre as suas asas em forma de ataque se preparando para defender a sua prole. Mamãe Gansa, todavia, nota que seus bebês não são os alvos do ataque do feroz Gavião. Vendo que o alvo era uma Pomba-rola, a esta avisa do iminente perigo.
-Cuidado, Pombinha! O Gavião está se aproximando. Fuja Pombinha, fuja!...
Alertada, a Pombinha vê refletida no lençol d’água a figura maléfica do gavião. A apavorada Pomba, realmente, estava em maus lençóis. Contudo, o seu instinto de sobrevivência dizia-lhe: - Não se entregue. Fuja Pombinha, fuja!... E ela fugiu!
-Iiiiuuupiii, Pombinha!... Cantarolando uma música dele próprio, a ela anexou a letra que dizia: Você já está no papo do poderoso e incomparável Capitão... Gavião!...
A Pombinha, em uma manobra ligeira, desvencilhou-se para a direita... o Gavião – firme e decidido – atrás. Fuga pela esquerda, perseguição célere do predador. Pela cabeça da Pombinha passaram as lembranças e preocupações em relação à ninhada de filhotinhos que no ninho ficara. O pai da sua prole havia sido, há pouco, a lauta refeição da qual o Gavião se vangloriara ao Urubu, deixando-a na obrigação de cuidar dos filhos gerados pelo casal. Essas nefastas lembranças deram-lhe novos ânimos, vigor e força de vontade para viver e lutar! E numa manobra arriscada – típica de um kamikaze a bordo de um supersônico caça de guerra – ela subiu e desceu vertiginosamente. À sua frente, uma enorme moita de arbustos com longos, perigosos e afiados espinhos se avizinhava. O choque se desenhava inevitável, mas ela teria que tentar. Era a sua última chance de sobreviver ao ataque.
-Agora eu lhe pego, maldita! (Vociferava o furibundo e soez Gavião.) Você há de me pagar!... Vou lhe peg (...).
“Ploft!..” “Traks!...” “Plact!..” O inevitável acontece: um corpo se choca contra a forte muralha de espinhos e estiletes. Gritos!... Ulos de incontida dor são ouvidos à distância.
-Aiii!... Uiii!... Socorro!... Socorro!... Acuda-me, amigo Urubu! Ajuda-me!... Aiii!... snif!... Ajuda-me!... Eu imploro!...Socorro... socorro!
O Urubu chega e pousa ao lado. A cena era dantesca, triste. Um galho seco – como se uma cimitarra fosse – havia perfurado o peito do Gavião indo-lhe sair no costado. No pescoço, um afiado e pontiagudo espinho provocara-lhe a cisão em uma artéria vital de onde um gêiser vermelho jorrava.
No estertor da morte, o Gavião sentia a vida estiolar-se. A afasia toma-lhe o corpo. Ele, ainda, se debatia no chão. As forças e a vida fluíam para fora da sua carcaça, levadas pelo sangue que, no solo, desenhava uma tétrica aquarela de dor e morte. E era ela, a morte que, inexoravelmente, chegava. As últimas forças que lhe restavam foram usadas para implorar ajuda:
-Amigo Urubu... socorro! Arf!... (tosse, tosse, tosse)... socorro (Snif!) socorro!...
O Urubu – que ávido por uma refeição estava – a tudo, impávido, assistia!... Deu um sorriso maroto e respondeu:
-Calma, meu amigão!... Não preciso ter pressa!... Sabe como é – não? Vou ter que esperar um pouco! Deus me fez assim – entende? Eu só como frios!
Final do Capítulo 4