A JANELA INDISCRETA
É manhã de uma preguiçosa sexta-feira. Preguiçosa por ser o primeiro dia de mais um prolongado “feriadão” – coisa de brasileiro. A data cívica – ou religiosa, não importa, mesmo porque, o importante é a farra – fora comemorada na quinta-feira. Contudo, e para deleite dos preguiçosos, ela fora “emendada” com a sexta, sábado e o domingo, com alguns, ainda, “enforcando” a segunda – este é o Brasil que vai pra frente!
O astro rei, penetrando pelo meu quarto, adentra pelas minhas semiabertas pálpebras ferindo-me as retinas, despertando-me. Ainda deitado, espreguiço-me e abro a bocarra em um escandaloso bocejo. Levanto-me e faço alguns exercícios de alongamentos. Vou até à janela, abro-a deixando a brisa da manhã adentrar os meus aposentos. As janelas dos prédios em frente estão abertas. O trânsito não era caótico, como de costume. O feriadão levara, na noite da quarta, os curtidores do feriado da quinta. E lá foram eles para as praias, sítios ou cidades históricas. Enfim, era um final de semana esperado de há muito.
Aos meus ouvidos chegam uma repetida melodia, um mavioso cantar. Vasculho os arredores para ver de onde vinha tão belo cantar. De repente, com olhos nus vejo-a despida. Ávido, busco um binóculo. Queria vê-la bem de pertinho se deliciando nas águas da sua banheira. Ela se vira para o meu lado. Medro por julgar ter sido descoberto. Recolho-me envergonhado. Da fresta da cortina vejo que ela não me viu – respiro fundo, aliviado! Ela se posiciona em pé na borda da sua banheira. Meus olhos parecem querer saltar fora das órbitas, tamanha era a minha ansiedade.
De repente, noto que o marido – ou namorado, sei lá – se aproxima da banheira. Ressabiado, novamente me escondo por trás da minha cortina e fico aguardando “a barra ficar limpa”. O intruso, enfim se afasta. Ato contínuo, acerto o meu binóculo e espero os acontecimentos vindouros.
Vejo-a se sacodir em trejeitos bem femininos a mirar-se no espelho d’água de onde, a pouco, saíra. Ato seguinte, ela emite um melodioso trinado da sua canora melodia, bate as suas asinhas e se posta ao lado do seu amado em uma das partes superiores da sua gaiola/prisão. E aquela maravilhosa canarinha belga, novamente, fez a sua linda melodia espargir-se por todos os cantos.
Senti pena por vê-la prisioneira. O seu cantar deveria ser para todos e não somente para o seu carcereiro. Porque o seu hediondo crime foi o de saber cantar. E esse lindo canto não poderia ser considerado um crime, mas, e tão somente, ser ouvido como um lindo hino ao amor!
Altamiro Fernandes da Cruz