UMA LINDA BONEQUINHA
Os brinquedos, ou as formas de se brincar, têm suas respectivas épocas. Agosto, por ser um mês de constantes ventos brandos, é uma ótima ocasião para se soltar pipa que, em algumas regiões recebem os mais variados nomes: papagaio, pipa de varetas, arraias – dentre outros.
Os brinquedos de hoje são, na sua maioria, eletrônicos que não exigem maior criatividade da garotada. Outrora fazíamos os nossos próprios brinquedos. Os meninos faziam pião, bilboquê, carrinhos de velhos rolamentos, manivelas para soltar os papagaios, pipas de varetas ou arraias – sei lá! Fazíamos caminhõezinhos, utilizando para tal, velhas latas de sardinha ou azeite, bem como, jogávamos bolinhas de vidro – hoje, de gude.
Nas frias noites, ficávamos em torno de uma fogueira ouvindo histórias que eram contadas pelos mais velhos. Hoje, quem nos conta as histórias são: a televisão, o computador e, pasmem, até o celular. Eles nos contam casos, contudo, não nos contam causos como os contados pelos, então, respeitados velhos de outrora.
As meninas faziam bonecas, usando para tal, os mais variados materiais: pano, sabugo ou palha de milho, como as cantadas por Gil (“Boneca de pano é gente. / Sabugo de milho é gente. / O sol nascente é tão belo! Sítio do Pica-pau amarelo”...) na trilha sonora do épico de Monteiro Lobato: O Sítio do Pica-Pau Amarelo! E eram bonecas lindas que a todas encantavam.
Os ferros de passar roupas – quando não tinham mais utilidade para tal mister – eram usados pela garotada para transformá-los em locomotivas – as velhas Maria Fumaça! Esses aparelhos de passar roupas (permitam-me, por favor, descrevê-los!) possuíam uma tampa, uma parte interna onde eram colocadas brasas incandescentes. Na retaguarda tinha uma abertura. Era por ela que as passadeiras assopravam as brasas (Ufa!) para manter o ferro sempre quente. A tampa possuía uma espécie de chaminé com o seu bojo virado, estrategicamente, para frente. Essa estratégia captava o ar, quando do movimento de ir e vir do quente ferro sobre as peças a serem passadas, mantendo incandescentes as brasas no instrumento de passar. E por essa abertura saiam a fumaça e – para terror das passadeiras – pequenas brasas ou carvões que, às vezes, queimavam ou sujavam as roupas que estavam sendo passadas. Na frente os ferros tinham, abaixo da chaminé invertida, dois furinhos – um em cada lateral. Ali, era passado um pino que servia de trinco para manter a tampa fechada. Quando terminada a vida útil do ferro de passar, era por esses furinhos que a molecada passava um arame em forma de elo. E era por esse elo que se atava um grosso barbante. (Vamos explicar o porquê do elo por julgarmos ser muito importante: ele evitava que o fogo colocado na, agora, Maria Fumaça, viesse a queimar o barbante.) E o velho ferro de passar passava a ser uma valente Maria Fumaça conduzindo vagões – na realidade, velhas latas de óleo engatadas a ela. Estava, pois, formado um bonito Trem de Ferro conduzido por “experientes maquinistas” que, levados pelas asas das nossas elucubrações, viajavam pela Estrada de Ferro Bahia e Minas, transportando gente e mercadorias para o porto de Caravelas – extremo sudeste do solo baiano!
Tempos bons aqueles. A criatividade era latente nas crianças que, mesmo não conhecendo o verbo reciclar – hoje tão em voga – já reciclavam o lixo na confecção dos seus brinquedos.
Não quero dizer que as crianças de hoje não sejam criativas, mas as de outrora eram muito mais imaginativas. Os brinquedos de hoje não as permitem nada criar. Por serem eletrônicos, basta um leve toque sob a forma de uma ordem para que o movimento seja executado sob risos de parvas crianças que veem, a cada dia que passa, a sua criatividade passar, ser tolhida, e a sua imaginação escravizada. Estamos construindo, com a indústria da informatização, uma nova era robótica com seres humanos robotizados.
Contudo, nem tudo está perdido. A poesia ainda paira no ar! Estava atento à conversa de uma vendedora que tentava vender uma bonequinha feita de pano, muito bonitinha – diga-se! -“A boneca tem sardas no rosto – explicava a vendedora à cliente – e vestidinho rosado com arranjos florais”. “Na cintura (veja que gracinha!) este cinto feito em seda e com grande laço azul-claro, dá um toque todo especial nesta bonequinha”. “A toquinha na cabeça dela (Ai, meu Deus! Que coisa linda!) é muito bonitinha”! E entre risos completa a apresentação dizendo: - “Ela é uma linda bonequinha”!
Para convencer à compradora, a vendedora viajou nas asas da sutil poesia, dizendo:
- “A senhora sabe por que a Hello Kitty não tem boca”?
-“Não! Respondeu a compradora e – querendo saber – indagou o porquê da famosa bonequinha não ter boca como as demais?”
A resposta da vendedora mereceu de mim os mais calorosos elogios.
- “Ela não tem boca, porque fala com a linguagem do coração” – dissera a vendedora!
Sorrisos desanuviaram o ambiente comercial. A luz da poesia, pairando no ar, iluminou os corações e empurrou para bem longe as tecnologias que escravizam o homem e o futuro da humanidade: as crianças do hoje, os adultos do amanhã!
Saio da loja. No meu coração, levo a certeza de que nem tudo está perdido. Enquanto houver amor e poesia, sempre haverá a esperança de um mundo mais aconchegante, mais humano e melhor de nele se viver, mesmo estando ameaçado pela indústria escravagista da informatização!
O amor está no ar! E ele se faz presente no imaginário sorriso de uma bonequinha sem boca. Porque ela – a bonequinha Hello Kitty – ri e ressori com os olhos, fazendo essa mensagem de amor chegar aos pétreos corações e de todos aqueles que creem na força do amor e da poesia.
Altamiro Fernandes da Cruz